Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O traçado urbano como elemento permanente.

 

‘O desenho urbano, no processo de planeamento, (...) tende a substituir a atitude da prévia configuração integral e instantânea da cidade acabada por uma estratégia no desenhar da cidade que antecipa determinados elementos mais permanentes e espera certos momentos, para se completar...’, Nuno Portas em Planeamento Urbano: Morte e Transfiguração, 1988 

 

Na semana passada foi visto que o modernismo trouxe a demasiada especialização, segregação e o isolamento dos espaços urbanos (habitação, vias, equipamentos e verdes), porém curiosamente defendendo uma totalidade/globalidade da sua composição e realização simultâneas. Para que se possam reunir os elementos, outrora segregados (tentando repor uma certa polifuncionalidade urbana, defendida por Lefebvre) através de padrões urbanos, de senso comum, facilmente transmissíveis - como a rua, a praça, o largo, a esquina, as rotundas, os parques urbanos (e que até podem ser realizados com independência e serem de autores e de tempos diferentes) - deve sobretudo regular-se as fronteiras dos espaços coletivos e dos espaços apropriáveis e privados. 

 

O importante na cidade, sempre foi o traçado no chão, o risco que determina a delimitação (ilimitada) clara do espaço público. Por isso, são precisamente as ruas, as praças, os largos, as esquinas, as rotundas e os parques urbanos que constituem o núcleo estável, duradouro, que garantem a continuidade urbana e que é ‘capaz de suportar a liberdade e oportunidade das interpretações, ao longo do tempo de dos sítios.’ (Portas, 1988) 

 

A cidade sempre viveu e deve sempre viver em função do fator tempo - um espaço urbano pode demorar décadas a consolidar-se e devem ser amplas as margens do seu desenho de adaptabilidade às incertezas e variações do grau de controlo institucional dos processos de edificação. A cidade não se concretiza através de soluções totais e instantâneas. Mas deve tentar, sempre que possível, promover flexibilidade, liberdade de escolha, articulação e continuidade entre as diferenças decorrentes das movimentações sociais, dos variados espaços e tempos de intervenção.

 

Para Nuno Portas, a incapacidade de responder com um só gesto e uma só solução unificadora, ao crescimento explosivo das cidades, resulta da autonomia relativa de três atos básicos que coexistem e se sucedem sob diferentes formas: a divisão do terreno ou parcelamento; a obra de urbanização e infraestrutura; e a edificação. O instrumento de desenho urbano, que permite articular os dois primeiros elementos é o traçado (que delimita o público e o privado). E a relação entre o traçado e a edificação também não é indiferente, nem arbitrária, porque têm de se encontrar consensos entre ambos através da configuração do espaço coletivo e da tipologia do construído (que agora fica mais reduzido do que em relação à cidade moderna porque tem de conseguir responder a alinhamentos e a uma limitação de alturas). 

 

A reafirmação do espaço coletivo mais contido, contínuo e sem limite volta assim a ser suporte total da edificação. Portas escreve que a identidade coletiva ao retornar a padrões urbanos facilmente transmissíveis, mais sólidos, permanentes e persistentes permite o retorno em força do desenho planeado, relacional, intencional, estimulador e em expansão dos espaços coletivos que se articulam incessantemente com os tipos de edificado. 

 

Ana Ruepp