A FORÇA DO ATO CRIADOR
O verdadeiro sentido do habitar - Casa do Poema do Ângulo Reto, Smiljan Radic
‘Depois de ter fechado tudo, abro de novo a porta
e corro cambaleante para a vazia escuridão’, José Tolentino Mendonça em Estrada Branca
Numa casa totalmente interior, totalmente virada para dentro entende-se a natureza, como uma presença permanente.
‘This is how a country person understands the environment. He doesn’t have to see cows or the hills all the time; he just needs signs that make him aware that he is in that place.’, Smiljan Radic
O desenho da Casa do Poema do Ângulo Reto (Vilches, Chile, 2010-12) revela a importância do espaço interior como abrigo, como tenda. Embora de quase fechada ao exterior, abrem-se lá dentro fronteiras incertas e ambíguas. Há ligações de contemplação, esporádicas e estratégicas, à natureza que a rodeia. Os inclinados volumes, que intersectam a grande superfície preta e opaca, não deixam sair o ar porém trazem a luz e o topo das árvores para dentro de casa.
A casa é um corpo hermético preto que separa o tempo de fora e o tempo de dentro e nada revela acerca do espaço interno, a não ser que é um espaço de refúgio, de proteção e de silêncio.
‘Tudo te pareça igual:
a noite e o dia’, José Tolentino Mendonça em A Papoila e o Monge
Mas ao contrário da Casa Chica que é feita de paisagem e não tem a possibilidade de ter um interior, a Casa do Poema do Ângulo Reto divide e fecha - é feita do que se passa lá dentro. O espaço interno é único e interrompido, no seu centro por um pátio. Existem cubículos, mas abre-se sempre a possibilidade de ver o espaço na sua totalidade - consegue-se sempre ver o outro, como que em constante vigia. Por isso, a casa, ao ser virada para dentro, tenta fortalecer as relações entre as pessoas que lá vivem. Cria um espaço interno, flexível mas completamente privado e de pertença, sensível a qualquer intrusão exterior.
‘...apesar do domicílio fixo, das horas certas
dormimos a céu aberto, pelas estradas’, José Tolentino Mendonça em Estrada Branca
Ana Ruepp