A FORÇA DO ATO CRIADOR
Espaço e antiespaço, lugar e não-lugar na arquitetura moderna por Josep Maria Montaner.
No livro, A modernidade superada. Arquitectura, arte e pensamento do século XX, no texto Espaço e antiespaço, lugar e não-lugar na arquitetura moderna, Josep Maria Montaner escreve que a sensibilidade ao lugar por parte da arquitetura é um fenómeno recente, já que o grande esforço do movimento moderno se deu, no sentido, de criar uma nova conceção de espaço (ao utilizar-se o apoio de novos avanços tecnológicos). Montaner considera a existência de dois tipos de espaço: o espaço tradicional e o antiespaço. O espaço tradicional diferencia-se volumetricamente, tem uma forma identificável, é descontínuo, delimitado, específico, cartesiano (a três dimensões) e estático. O antiespaço, corresponde à nova conceção espacial criada pelas novas vanguardas, e é um espaço livre, fluído, leve, contínuo, aberto, infinito, secularizado, transparente, abstrato, indiferenciado e newtoniano (a quatro dimensões). O antiespaço, também denominado por espaço-tempo, foi gerado por contraposição e dissolução do tradicional espaço fechado e delimitado e é um espaço que gira em torno de um protagonista estrutural e formal: o pilar.
Para Montaner, a conceção de espaço infinito como continuidade natural e como recetáculo de toda a criação e de tudo o que é visível tem uma raiz ideal platónica - segundo Platão, o espaço é o terceiro componente básico da realidade, junto ao ser e ao acontecer. Montaner explica que Aristóteles, pelo contrário, relaciona o conceito genérico de espaço com um outro mais empírico e delimitado que é o conceito de lugar. Aqui cada corpo ocupa um lugar concreto e o lugar é entendido como um singular contentor dos corpos. Já na arquitetura moderna - desde J. N. L. Durand até Louis Kahn, passando pelos mestres do movimento moderno e pelos postulados do International Style - a sensibilidade ao lugar é irrelevante, porque todo o objeto arquitetónico surge através de uma autonomia.
No movimento moderno, os conceitos de espaço e de lugar são diferenciados claramente. Espaço é uma construção mental e tem uma condição ideal, teórica, genérica, indefinida e ilimitada. Lugar é definido pelas qualidades das coisas e tem um carácter concreto, empírico, existencial, articulado, detalhado, exalta valores simbólicos, históricos e ambientais e está relacionado fenomenologicamente com o corpo humano.
Para Montaner, foi na obra de Frank Lloyd Wright e na obra de Alvar Aalto que se introduziu “...com força definitiva a relação da arquitetura com o lugar.” (Montaner, 2001, p.34)
Montaner escreve, que dentro da arquitetura moderna, existem duas tradições distintas e opostas, no que diz respeito à relação da arquitetura com o lugar: a cidade-jardim de Ebenezer Howard e as primeiras Siedlungen alemãs integradas na paisagem; e o racionalismo, a nova objetividade e os primeiros projetos urbanos de Corbusier (que, mais tarde, teria a Carta de Atenas como resultado) e que, sobretudo, acentuam o domínio da arquitetura em relação a qualquer lugar. Por isso, a revalorização da ideia de lugar, recuperou valores que o antiespaço rejeitava, como a história e a memória.
Para Montaner, a ideia de lugar diferencia-se da ideia de espaço pela presença da experiência do mundo por parte do corpo humano. E o pensamento de Maurice Merleau-Ponty encontra aqui expressão, no sentido em que trata da experiência corporal do ser humano e do espaço existencial - a consciência do lugar é sempre uma consciência posicional.
Nas últimas décadas, o lugar pode ser entendido como: uma qualidade do espaço interior, capaz de criar um lugar que não existe - que se materializa na forma, na textura, na cor, na luz natural, nos objetos e nos valores simbólicos (como por exemplo se verifica nas obras de Heinrich Tessenow e Louis Kahn); em grande escala o lugar é interpretado como genius loci - que se manifesta na capacidade de fazer referência e articular preexistências específicas; uma última e mais profunda relação entenderia o conceito de lugar precisamente como a correta relação entre pequena escala do espaço interior e a grande escala da implantação.
Nas obras dos arquitetos modernos da chamada ‘terceira geração’ (Luis Barragán, José Antonio Coderch, Fernando Távora, Jørn Utzon e Roberto Burle Marx), em sintonia com o interesse à sensibilidade pelo lugar, renasce o interesse pela arquitetura vernacular. Nestes casos, ocorre uma ressonância às conceções de Martin Heidegger, onde os espaços recebem a sua essência não do espaço, mas sim do lugar - os espaços onde se desenrola a vida são primeiro que tudo lugares. Montaner refere ainda que Christian Norberg-Shulz opõe-se a toda a teoria da mobilidade e dos espaços transitórios e chega mesmo a afirmar que se se eliminar o lugar elimina-se também a arquitetura - o espaço da existência consiste sempre no lugar. Giedion estabeleceu, nos seus últimos escritos, duas atitudes que a arquitetura pode assumir em relação à circunstância: a do contraste (pirâmides e templos gregos) e da amalgamação (templos de pedra na Índia, teatros semicirculares e as obras de Wright).
Para Montaner, a capacidade de integração ao lugar varia drasticamente entre as propostas modernas tardias e as primeiras propostas pós-modernas. E é, a partir dos anos 1970, precisamente no momento em que se consolida a celebração da arquitetura como arte do lugar, que se inicia uma realidade totalmente nova em relação ao espaço. Aqui os espaços, já não são interpretados como contentores existenciais permanentes, mas são entendidos como intensos focos de acontecimentos, concentrações de dinamismo, torrentes de fluxos de circulação, cenários de factos efémeros, cruzamentos de caminhos e momentos energéticos.
Dentro deste panorama, das novas realidades espaciais, podemos identificar os espaços mediáticos. Nestes espaços, não existe predominância do espaço físico - a arquitetura transforma-se num contentor neutro, e por vezes transparente, com sistemas de objetos, máquinas, imagens e equipamentos que definem interiores modificáveis e dinâmicos. Aqui os limites espaciais físicos tornam-se impercetíveis no interior do contentor e dependem da experiência percetiva relacionada com as imagens, reproduções, instalações, monitores, mecanismos e virtualidades - este fenómeno tem como antecedente o projeto de Robert Venturi, para o concurso do National College Hall of Fame, em New Brunswick (1967).
Montaner termina o texto referindo que as qualidades do lugar e da magia das heterotopias (conceito definido por Michel Foucault) deixaram de ser mencionadas e que a definição de não-lugar - fenómeno que Marc Augé, com o livro Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade, de 1994, introduziu - é o espaço da supermodernidade, do anonimato, da superabundância e do excesso.
Ana Ruepp