Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Acerca do Espaço Organizado de Fernando Távora.

“...o espaço é algo em que o que se deixa é tão importante como o que se preenche.” (Távora, 1999)

No texto Dimensões, Relações e Características do Espaço Organizado do livro Da Organização do Espaço, Fernando Távora escreve que a noção de espaço começa, assim, que marcamos um ponto num papel branco. Mas haverá que acrescentar uma quarta dimensão, que é o tempo, sempre que o ponto se movimenta no espaço. Falar, pois, em espaço organizado só a duas ou três dimensões não corresponde à realidade. Os volumes, as superfícies e as linhas, constituem, tal como os pontos, acontecimentos de organização do espaço aos quais se dá o nome de formas. E, segundo Távora, o espaço é também forma. É o espaço que, simultaneamente, separa e liga. E a forma do espaço é uma noção fundamental, pois é ela que nos permite ganhar consciência de que não existem formas isoladas e que existe sempre uma relação - quer entre as formas que ocupam o espaço, quer entre elas e o espaço, que, embora não o vejamos, sabemos constituir a forma das formas aparentes.

À escala da pessoa humana, pode distinguir-se a existência de formas naturais (ou puras, que são aquelas cuja criação não é humana) e formas artificiais (cuja existência depende ativamente de intervenção humana). Mas, segundo Távora, não se pode esquecer que a relação entre as formas naturais e artificiais é por vezes tão íntima, infinita e inesgotável que não é possível saber onde umas acabam e outras começam.

“Deslocando o seu corpo, construindo a sua casa, arroteando um campo, escrevendo uma carta, vestindo-se, pintando, conduzindo o seu automóvel levantando uma ponte, poderíamos dizer - vivendo - o homem organiza o espaço que o cerca, criando formas, umas aparentemente estáticas, outras claramente dinâmicas.” (Távora, 1999)

Na palavra organizar, para Távora, vê-se um desejo, uma manifestação de vontade, um sentido, uma criação de harmonia (que é o jogo exato entre consciência e sensibilidade). Távora, refere-se à pintura, à escultura e à arquitetura como sendo as artes do espaço. A pintura é a duas dimensões, dado que em princípio o pintor organizar um espaço, que possui duas dimensões, e dentro delas encontra os limites espaciais da sua atividade (mas também há tentativas de representar a terceira dimensão, a pespetiva, e até quarta dimensão, como por exemplo com o cubismo). A escultura é arte das três dimensões. O escultor cria volumes envolvidos por espaço e a quarta dimensão aparece nela como resultado do observador que, se desloca para encontrar os seus vários perfis. Ora, a arquitetura difere da escultura pela criação de um espaço interno. Espaço esse que deve ser vivido, percorrido e preenchido e a existência do tempo é a sua grande medida – não apenas como dimensão de observação, mas como dimensão da própria obra. Um edifício tem uma vida, tal como uma pintura ou uma escultura, mas neste caso, uma vida mais dinâmica.

Uma característica fundamental do espaço organizado é a sua continuidade. O espaço contínuo não pode ser organizado com uma visão parcial. Todas as formas lhe pertencem (as positivas e as negativas). Tudo tem importância na organização do espaço - as formas em si, a relação entre elas, o espaço que as limita - e esta é a verdade que resulta do espaço ser contínuo. O espaço é contínuo, e porque o tempo é uma das suas dimensões, o espaço é também irreversível e dinâmico. Um espaço nunca pode vir a ser o que já foi.

Para Távora, existem dois tipos de participação na organização do espaço: uma participação horizontal, que se realiza entre pessoas de uma mesma época, e uma outra vertical, que se realiza entre pessoas de épocas diferentes. Para que o espaço organizado seja harmónico, haverá que transformar a participação em colaboração. As formas criadas são profundamente condicionadas por uma soma infinita de fatores (naturais e humanos), que Távora designa por circunstância. O espaço organizado é condicionado, mas uma vez concretizado passa a ser condicionante. A forma mais compreensível para o observador, será assim, aquela que melhor o retrate, aquela que com ele melhor se identifique e com ele partilhe uma natureza comum.

Para organizar o espaço, é necessário entender que as formas revestem a vida das pessoas, e como consequência cada pessoa tem como responsabilidade organizar o espaço que a cerca. A organização do espaço deve ter sempre como base uma atitude de escolha face à circunstância (mesmo se a tiver de negar, não deve pô-la à margem). Uma forma só possui significado na medida em que representa ou satisfaz para além de uma só pessoa, e se satisfaz toda uma sociedade.

A criação de formas afeta a pessoa humana, na sua vida física e espiritual, na medida em que as formas criadas servem para o prolongar, servir, enriquecer, valorizar o seu ambiente físico e melhorar aspetos múltiplos da sua existência.

“O espaço é um dos maiores dons com que a natureza dotou os homens e que, por isso, eles têm o dever, na ordem moral, de o organizar com harmonia.” (Távora, 1999)

 

Ana Ruepp