A FORÇA DO ATO CRIADOR
Saber ver a Arquitectura de Bruno Zevi (Parte II).
Para Bruno Zevi, como foi visto na semana passada, o espaço é o protagonista da arquitetura. Mas importa representá-lo. No entanto, a arquitetura possui dimensões para além das quatro. É preciso considerar sempre a vida. Nenhuma representação é suficiente (as plantas, as fachadas, as fotografias…). ‘Devemos nós ir, ser incluídos, tornarmo-nos e sentirmo-nos parte e medida do conjunto arquitetónico, devemos nós próprios mover-nos’. Tudo o mais é mera alusão ou função preparatória.
E quais as várias idades do espaço? O templo grego ignora o espaço interior mas glorifica a escala humana - enquanto morada impenetrável dos deuses, pois os ritos decorriam no exterior. O espaço romano é concebido estaticamente, rompendo, porém, com a perspetiva grega e assumindo o "génio arquitetónico" - a autoridade domina a multidão dos cidadãos e anuncia que o império existe e é potência e razão da vida. A igreja cristã é o lugar de reunião, de comunhão e de oração dos fiéis - junta a escala humana dos gregos e a consciência do espaço interior dos romanos, negando, contudo, o sentido romano da gravidade estática. No período bizantino, há uma aceleração direcional e uma dilatação - partindo de dois pontos fixos do ambiente principal, a superfície mural foge do centro do edifício e lança-se para o exterior, dilatando o espaço interior. Dos séculos VIII ao X, verificamos a procura de uma nova relação com o espaço, retardando o tempo, interrompendo com rudeza os ritmos - de que é exemplo a igreja de Santa Maria in Cosmedin (Roma). O templo românico adquire segurança em si e na dialética das suas forças - move-se no que Zevi considera uma métrica que tem paralelo na poesia. Se do ponto de vista construtivo o gótico aprofunda e conclui a investigação românica, a verdade é que há uma distinção clara de propósitos - os espaços estão em antítese com a escala humana, pela primeira vez na história, em lugar da estabilidade temos o combate - em lugar do equilíbrio das diretrizes visuais ou da predominância de uma diretriz, temos o contraponto de duas diretrizes, vertical e horizontal. Com o Renascimento, abre-se uma nova fase - passa a ser o homem, aprendendo a lei do espaço, a possuir o segredo do edifício - em vez das fugas bizantinas, da sucessão dos arcos românicos ou do contraste atormentado do gótico, Brunelleschi recorre a relações matemáticas simples, um único percurso, uma única lei, uma única unidade de medida. No século XVI não há uma renovação das conceções espaciais, mas um novo conceito de volumetria, de equilíbrio estático e formal, num gosto que prefere "a uma linha e a um plano cromático, um todo sem quebras e uma consistente e, muitas vezes, monumental solidez" - triunfando o volume e a plástica como em S. Pedro de Roma. O barroco é a libertação espacial, é a libertação mental das regras dos tratadistas, das convenções, da geometria elementar e da estaticidade, é a libertação da simetria e da antítese entre interior e exterior - (como são diferentes os palácios Farnese e Barberini…) -, em vez das duas dimensões do gótico encontramos agora uma lógica ondulante, seguindo os instrumentos mas não os ideais de quinhentos. O período neoclássico e eclético do século XIX "é uma época de mediocridade inventiva e de esterilidade poética" - a redenção ocorre na urbanística, nos espaços exteriores, os novos bairros, os novos transportes, a sociedade industrial, propuseram-se, afinal, as primeiras soluções da sociedade moderna. E chegamos à arquitetura moderna do espaço orgânico e da "planta livre" reassumindo-se a vontade gótica da continuidade espacial, não como sonho mas como resultado de uma reflexão social, retomando-se a experiência barroca do movimento como consequência funcional, recuperando-se a métrica espacial do Renascimento em equipamentos coletivos… O funcionalismo e o movimento orgânico são as duas correntes espaciais que se afirmam - a primeira desde a Escola de Chicago a Le Corbusier; a segunda através de Frank Lloyd Wright - apontando para a escala humana, repudiando toda a arquitetura que se sobrepõe ao homem ou que é independente dele.
Ana Ruepp