A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
CIV - DIZER NÃO A UMA BAIXA CONSIDERAÇÃO SOCIAL DA LÍNGUA
Escrevi, há anos, neste blogue:
“Estudos relacionados sobre o uso e transmissão do português pelos nossos emigrantes, em países como a França e o Canadá, nos anos de 1988 a 2005, incluindo os seus descendentes e as camadas mais jovens apontavam, no essencial, para uma rejeição da língua e da cultura portuguesa preferindo, a esmagadora maioria, a língua e a cultura dominante, dado que o idioma dos ascendentes estava associado a um passado de pobreza, a que não se quer regressar, a uma memória de um país que forçou os progenitores a emigrar, tantas vezes clandestinamente, na maioria analfabetos e integrando recursos humanos não qualificados. Reconhecendo-se ainda que, ao desconhecimento dos franceses e canadianos sobre a nossa língua e cultura, se juntavam preconceitos estereotipados de emigrantes competentes, bons na construção civil e como empregadas domésticas, mas geralmente sem formação e instrução, sendo pouco apelativos para despertarem interesse, nos locais, pela sua língua e cultura. O baixo nível sociocultural dos nossos emigrantes ajudou a criar uma auto-representação negativa, o que se vem alterando com emigrações recentes mais qualificadas” (LPM, VI - Aspetos Negativos do Uso Confidencial da Língua).
Esta baixa consideração social da sua língua pelos nossos emigrantes, era resultado de uma interiorização de que falá-la em público era, face ao outro, um estigma que os inferiorizava, acreditando só ser útil para os servir apenas a eles próprios e à sua comunidade, gerando um complexo de descriminação e de inferiorização linguística que havia que ocultar dos demais, desde logo do grupo social predominante.
Esta constatação, embora prejudicial para a difusão e promoção de uma língua internacional, de comunicação global e de exportação, dado o seu número de falantes e dispersão intercontinental, tinha de relevante, no mínimo, a demonstração quotidiana de que falar a língua da maioria trazia um enorme ganho para a integração na sociedade dominante, tanto mais compreensível se nos recordarmos estar o nosso idioma associado a uma memória familiar ligada a um país que os “forçou” a emigrar.
Sucede que esta baixa consideração social pelo português é de todo incompreensível quando são os próprios estrangeiros residentes, entre nós, a queixarem-se dos portugueses, ao negarem-lhes a oportunidade de falar no nosso idioma, não o usando nem praticando no seu dia a dia, porque tantos nacionais tendem a exprimir-se, no nosso país, em qualquer idioma que não o seu, quando confrontados com um estrangeiro, não poucas vezes numa mistura “aldrabada” de palavras.
Eis, um novo exemplo, retirado de um texto de um residente em Portugal, desde 2016 (Carl Eric Johnson):
“Acontece com frequência os empregados de mesa iniciarem uma conversa comigo em inglês, sem terem nenhuma indicação dada por mim de que sei falar inglês ou português. (…) às vezes sinto que talvez devesse fixar um cartaz no meu peito que declarasse a minha competência linguística, para contrariarem o impulso natural de falarem inglês comigo. No entanto, julgo que nem isso resultaria. (…) apesar de frequentar muitas aulas e de passar muitas horas a estudar e a ouvir a língua, é a falta de conversação frequente que me cria dificuldades. (…) Parece estranho que um povo tão cordial para os estrangeiros os queira privar desta oportunidade. (…) Perde-se pelo menos metade do que o mundo português oferece, se não se tiver a capacidade de ler e comunicar na língua da terra”.
Esta subestima, inação, inferiorização do português, retórica da língua como mera marca de afetos, identidade e confidencialidade, por maioria de razão se feita intra muros, sem regras e a pretexto de querer mostrar simpatia e voluntarismo (ou subserviência e complexo de inferioridade linguístico para quem temos, atualmente, como superiores civilizacionalmente?), é como “dar um tiro no nosso próprio pé” num idioma verdadeiramente internacional e global, que tem de se fazer representar para além das suas fronteiras naturais, exportando-o, começando por aqueles que o ouvem desde o berço.
07.07.23
Joaquim M. M. Patrício