A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
IX - O REGIME LINGUÍSTICO NA UNIÃO EUROPEIA
O Regime Linguístico vigente na União Europeia (UE) baseia-se no princípio da igualdade linguística, segundo o qual todos os países que a integram veem consagradas as respetivas línguas oficiais como línguas comunitárias. Reconhece como línguas oficiais e de trabalho as línguas de Estado de todos os seus membros consagrando, em termos normativos, a igualdade linguística de direito. Consagrou-se um regime plurilingue, de pluralismo linguístico geral ou de não discriminação, em conjugação com o princípio da igualdade das línguas, tendo todas a mesma dignidade, em paralelo com a sobrevivência das culturas, como defende a UNESCO. Este princípio de plurilinguismo teve como antecedente o tratado fundador da Comunidade Económica Europeia, de 1957, que reconheceu como idiomas oficiais e de trabalho os quatro idiomas oficiais dos quatro países fundadores. Apesar de tida como uma solução avançada apresenta, para outros, um défice via discriminação das línguas usualmente tidas como minoritárias ou menos usadas na UE, como o catalão, o gaelo-irlandês, o basco, o suomi (finlandês) e o saami ou lapão.
Factualmente, porém, a proclamada igualdade linguística, tem-se confrontado com uma bipolarização de interesses: por um lado, o denso e incessante intercâmbio internacional de pessoas, bens, capitais, ideias e serviços, faz progredir a compreensão internacional, promovendo o respeito pela diversidade cultural e linguística; por outro lado, o desenvolvimento daí resultante propicia a tendência para uma uniformização cultural e linguística, agredindo ou ameaçando a sua diversidade, numa tendência para o glosso-centralismo. Resultado de uma dinâmica velocista num mundo globalizado, defende-se uma língua hegemónica nas relações comunicacionais e internacionais globais, levando à hegemonia de uma sobre as outras, atualmente o inglês, ou à de três ou quatro, excluindo as demais como idiomas oficiais ou de trabalho.
A um critério formal fundado na igualdade linguística, contrapõe-se um baseado numa relação de custos/benefício de natureza funcional, numa opção dilemática entre um regime de pluralismo linguístico geral ou de não-discriminação, com alegados encargos de custos, atrasos, burocracias, complicações e, em alternativa, um regime de plurilinguismo restrito, invocando poupanças e maior simplicidade, à custa de uma discriminação negativa.
Para uns, o sacrifício do princípio da igualdade linguística é uma violência inaceitável ao nível da soberania dos Estados-membros, para outros, o agravamento dos custos e manutenção de tal situação conduzirão ao colapso da UE.
Reduz-se, em síntese, a um dilema cuja opção está entre a igualdade e a operacionalidade.
Têm-se apontado várias alternativas quanto ao futuro linguístico da UE, desde a exclusão do regime vigente por alegadamente economicamente insustentável, passando pela defesa de uma discriminação em função da antiguidade dos Estados-membros por referência à sua adesão e alargamento, vigência de todas as línguas oficiais e seu reconhecimento como idiomas de trabalho (mesmo que só caso a caso e em razão do contexto), até à criação de um clube de línguas dominante, de uma língua neutra ou de propor como único idioma de trabalho e de comunicação global internacional o inglês. Invocando despesas e dificuldades reforçadas com os mecanismos de tradução dos idiomas oficiais resultantes do alargamento da União, tem-se caminhado para a vigência prática de um regime de plurilinguismo restrito, um clube trilingue restrito de línguas, apostatado no inglês, francês e alemão. Este clube trilingue de línguas hegemónicas europeias consagra, factual e progressivamente, a solução da unidade sem diversidade.
Fala-se em línguas dominantes e dominadas, estando entre as últimas a língua portuguesa.
Como indagar, neste contexto, o papel que cabe, ou pode ser reservado, ao nosso idioma?
É o que se tentará perscrutar, sem prejuízo de se observar, desde já, que a não se alterar a atual tendência, tudo indica que o futuro dos idiomas factualmente subalternizados, como o português, será o de uma crescente secundarização factual, a que se poderá seguir, ou seguirá, uma secundarização de direito, operando-se a discriminação jurídica pela substituição do princípio da unanimidade, de momento o eixo do regime linguístico da UE, pelo da maioria qualificada.
27 de Junho de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício