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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

XVII - “DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR” 

 

1. Vergílio Ferreira, na cerimónia em que lhe foi atribuído o prémio Europália, em 1991, leu um discurso onde afirma a ligação da língua portuguesa com o mar. Registamos aqui essa emblemática e representativa citação: 


“A alma do meu país teve o tamanho do mundo (…). Uma língua é o lugar donde se vê o mundo, e em que se tratam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor, como da dos outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação. Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós. E foi nessa consubstanciação que um novo espírito se formou”.                                         

Tentando detetar e interpretar as linhas de força daqui emergentes, podemos concluir que foi viajando, pelo mar e através dele, que se descobriu e descobre a ousadia de Portugal, não se limitando à sua pequenez territorial, aprendendo que o mundo é um conjunto de territórios entrelaçados por oceanos. Sendo um país limitado por terra, por um maior e mais populoso, a ambição possível era o mar. Existindo vontade de crescer, ou ia por mar, no achamento de outras terras e povos desconhecidos, ou abria-se e voltava-se em pleno para a Europa, não lhe virando as costas, pois é também do mar que a vemos. A opção prioritária foi o mar. Não iam sozinhos os intérpretes de tais viagens. Outros viajantes os acompanhavam e ultrapassavam em termos de importância, intemporalidade e longevidade: a cultura, a língua e a religião. Sendo companhia e intérprete permanente de todos os outros, a língua acaba por assumir um lugar primordial, corroborado pelas suas inegáveis consequências na atualidade e em termos estratégicos.

2. O mar, para nós, portugueses, sempre foi, e é, um interesse permanente, pela sua imutabilidade e incontestável geografia marítima e situação geográfica de Portugal. Perdido o império, a ausência de interesse pelo mar foi suprida pelo novo desígnio de adesão e integração na Comunidade Económica Europeia, onde impera uma opção europeia pela continentalidade e em que a Europa passa a exercer uma atração centrípeta no essencial.

Mesmo assim, continuamos a ser uma nação de vocação marítima debruçada para o Atlântico. Onde a omnipresença do mar e da viagem é constante na arte, nos monumentos, na religião, nos costumes e tradições deixados pelo interagir sucessivo a partir das primeiras viagens. Assim como na expressão artística por excelência da nossa língua, ou seja, na literatura portuguesa e lusófona. E em que sobressai, ainda, a disseminação da língua portuguesa na sequência dos descobrimentos, pela diáspora portuguesa, lusófona e contemporânea, pela sua dimensão de mercado e potencial geoestratégico, dado ter sido capaz de atravessar espaços geográficos deslocalizados territorialmente e abraçados pelo mar, numa descontinuidade linguística banhada por vários oceanos e continentes, como transoceânica e intercontinental, enriquecendo-a e miscigenando-a.

Numa consciência e compreensão dos nossos interesses permanentes emergem, como defesa, continuidade e projeção do nosso ser e identidade o mar e a língua portuguesa, reciprocamente sempre interligados, com e pela a adesão à viagem, o que implica uma abertura ao outro, o que é reforçado por se constatar que o mar une todos os países de língua portuguesa.

Se o mar, pela sua natureza e por imperativo geográfico, é insuperável, tendo sempre sido, e continuando a ser, um interesse permanente, já o nosso idioma, embora também tenha, até agora, caraterísticas de permanência, está mais dependente de um ato de vontade nosso, firme e incessante, que podemos continuar a defender, se quisermos, perante toda e qualquer ameaça.

Joaquim Miguel De Morgado Patrício
07 de novembro de 2016