A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
LIII - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (VI)
Nem é verdade que haja um número pouco representativo de turistas falantes de português (além dos emigrantes lusófonos), sendo significativo o número de portugueses e brasileiros com que me cruzo por lugares e países que conheço, omissão que não se justifica, por maioria de razão, em relação a outros idiomas, que apesar de menos falados e com menos turistas são, por comparação, mais divulgados e oficializados.
Esta indiferença de afirmação e de laxismo no reconhecimento da nossa identidade via língua inferioriza-nos, originando que nos associem como indígenas de uma língua menor ou de um dialeto castelhano, sendo nós tantas vezes os causadores dessa subsídio-dependência, por acrítica passividade, seguidismo acrítico, ao querermos demonstrar que somos fixes e hospitaleiramente poliglotas, absorvendo e aceitando tudo, tipo permissividade eufórica ou resignação apática.
Se é verdade que não é por esta ou aquela omissão que a língua de Camões não sobrevive, não é menos verdade que tais omissões contribuem para a sua menor visibilidade, de Portugal e demais povos lusófonos, não a dignificando como merece.
De que nos vale o conhecimento e reconhecimento do alheio, se o não houver de nós próprios? Porquê tanta resignação perante o mote de “o que é estrangeiro é que é bom” (embora, na realidade, só seja “bom”, se de um país com um nível de vida superior ao nosso)?
Em certas situações uma desproporcionada permissividade pode representar um perigo, não remediado pela simpatia ou por não querermos parecer patrioticamente vaidosos, negando valor ao que é nosso e por direito próprio se impõe.
Por maioria de razão quando regularmente e em igualdade de circunstâncias não funciona a reciprocidade, mesmo de idiomas menos falados que o nosso.
Conclui-se que muitas vezes inferiorizamos um dos elos e dos símbolos maiores da nossa identidade e dignidade, senão o maior, sendo sabido que um povo que não tem identidade não tem dignidade. Deixemo-nos de complexos de inferiorização e defendamos sempre o que temos de mais profícuo em termos de identidade, sem nacionalismos doentios e recordemos, sem propósitos chauvinistas, que não foi a nossa pequenez territorial que nos impediu de disseminar pelo mundo a língua que falamos, que não é apenas nossa, partilhando-a com outros, que a enriquecem.
Num mundo global as políticas nacionais centram-se, cada vez mais, na esfera cultural, incluindo a língua e o património em geral, sendo Portugal, em restritos termos económicos cada vez menos um país, à semelhança de outros, mas é-o cada vez mais como realidade cultural, a começar pela língua, sendo esta um dos vetores que nos diferencia, com grandes potencialidades lusófonas e lusófilas para, futuramente, nos diferenciar ainda mais.
Se a admiração bacoca, gratuita e papalva pelo que não é nosso, e o fazer-se gala de não se ter qualquer preferência nacional são manifestações provincianas, por primazia de razão no que toca a um complexo de inferioridade linguístico amputador duma alegria e mais-valia de que, num sentido saudável, nos devemos orgulhar. Ao vivermos tão obcecados com o que nos falta, somos incapazes de beneficiar do que temos de bom e de melhor.
Indicia-se sofrermos de um complexo de inferioridade em relação ao estrangeiro mais forte ou de um nível de vida superior, com algumas elites azedas e totalmente estrangeiradas que gostariam de ter nascido noutro país, inferiorizando o seu, sempre que podem, com reflexos no complexo de inferioridade linguístico, tendencialmente imitado pelo cidadão comum, dada a ausência duma liderança estratégica e responsável e duma não consciencialização dos direitos e deveres de cidadania.
O que é extensivo a muitos lusófonos cultores da secundarização duma língua comum, como que derivado de um complexo de inferioridade sem sentido e associado a uma espécie de fatalidade ou sonho sempre adiado, a uma vergonha envergonhada colada a uma pretensa falta de orgulho, de amor-próprio e de não visibilidade maior dos respetivos países no jogo de poder à escala mundial, havendo necessidade duma estratégia que a defenda e divulgue como língua de vanguarda e de exportação, ao invés do estatuto de língua dominada que vem tendo, crescentemente, na União Europeia.
Não sendo adepto de qualquer forma de nacionalismo ou patriotismo exacerbado ou não saudável, lamento esta indiferente desistência, algo comum a muitos de nós, com consequências de inferiorização a nível linguístico, embora esperançado numa estratégia não apenas nossa, mas também nossa.
23.07.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício