A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
LXV - VIAGENS, VIAJANTES E O FATOR LÍNGUA (VII)
Se a linguagem falada, é um produto da evolução biológica, e a linguagem escrita exige instrução, sendo um fenómeno cultural, destinado a vencer o tempo e o espaço, através da imprensa e do livro, a que acrescem os meios eletrónicos e digitais atuais, um ser humano civilizado e qualificado tem de saber ler e escrever, enquanto o homem natural pode viver com a linguagem oral, como sucede em tribos primitivas.
Mas o potencial de universalidade e a dimensão de estratégia e de vanguarda de uma língua decorre ainda de ter tido capacidade de atravessar e penetrar em vários espaços geográficos deslocalizados territorialmente por continentes, através da descontinuidade linguística.
O que sucedeu com o nosso idioma, através da sua disseminação, o que é corroborado pelas suas caraterísticas de língua intercontinental, transnacional, transoceânica, transatlântica, pluricêntrica, internauta e de comunicação global.
Ser partilhada por várias culturas que a democratizaram, enriqueceram e moldaram com novas colorações e mais valias, embelezando-a e nobilitando-a, como língua absorvida, apropriada, miscigenada, incorporando novos vocábulos africanos e ameríndios, formando crioulos ou protocrioulos, tornou-a dinâmica, migratória, mestiça, dotando-a de uma maior flexibilidade e plasticidade, permitindo-lhe permanecer atuante e viva, o que a diáspora portuguesa, lusófona e contemporânea consolidou.
As quatro línguas europeias mais faladas (inglês, espanhol, português e francês), fruíram da primeira fase da globalização iniciada com a expansão portuguesa.
Tomando como referência a economia, um dos fatores mais decisivos para a utilidade funcional de uma língua, o nosso idioma sofre, de momento, algum défice, dado que a maioria dos países de língua oficial portuguesa ficam em África, continente deficitário em termos de desenvolvimento (embora também aí fiquem a maioria dos países de língua oficial francesa e uma parte significativa dos de língua inglesa).
Em contrapartida, tem melhor representação no continente americano, pelo Brasil, país de dimensão continental, maior número de falantes e potência emergente, sendo a língua mais falada do hemisfério sul, com grande potencial de crescimento demográfico, atenta a taxa de natalidade e população essencialmente jovem dos jovens países lusófonos.
Sendo o português uma língua de comunicação global enquanto materna e oficial de vários países de quatro continentes, associando um bloco linguístico global e internacional, corporizado e institucionalizado na CPLP, ultrapassado por uma comunidade linguística mais ampla que é a lusofonia, tem uma margem de crescimento superior, por exemplo, à do alemão, francês, italiano, russo, japonês.
No caso da língua portuguesa, transitou-se de uma conceção lusista, lusíada, nacionalista e patrimonialista, para uma conceção não patrimonialista, partilhada, transcontinental, transnacional, lusófona e de exportação.
Sendo imperioso que seja útil ser usada por falantes de outras línguas, como segunda, terceira ou outra opção, apropriada, aceite, escolhida e querida como de exportação, informática e internauta, pois se servir apenas os seus nativos e maternos, não será um idioma internacional de comunicação global, antes sim uma língua internacional regional do ponto de vista global.
É também tida como uma língua bipolar, assumindo o estatuto de língua global a nível mundial e o de “pequena língua” na Europa, sendo cada vez mais, em termos estatísticos, essencialmente não europeia, apesar da sua génese.
No dizer de Ivo de Castro, e sem esquecer a sua matriz galega: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.
Segundo Fernando Venâncio: “A experiência do português como instrumento de contactos alargados é não apenas uma surpresa: pode provar-se um deslumbramento. Isto deve-se, decisivamente, à abertura que sempre o português patenteou, à sua característica de bom aproveitador de quanto, à sua volta, achava de útil”. Uma língua em circuito aberto, acrescentando: “Mas, se fomos sobretudo um idioma importador, alguma coisa produzimos, também, de proveitoso para o largo mundo” (Assim nasceu uma língua, Guerra e Paz, 2019).
Sucede que o mundo é cada vez menos eurocêntrico, há um ocidente em crise, uma Europa em declínio, ausência de liderança europeia, sendo-nos preferencialmente favorável uma visão europeísta e atlantista, e a ter como exemplo evolutivo, no mundo ocidental, a liderança atual dos Estados Unidos da América, pode concluir-se que são e serão os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro o que, por analogia, está a suceder com a nossa língua.
11.09.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício