Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LUSOFONIA EM CONSTRUÇÃO

cplp.jpg

I - AFIRMAÇÃO E RECONHECIMENTO

 

1. O conceito de lusofonia só em tempo recente estabilizou no léxico. Prova-o o facto de só na década de noventa, do século passado, aparecer como vocábulo nos dicionários de língua portuguesa. No seu percurso de afirmação, tem substituído expressões tidas como ultrapassadas. É o caso de lusista, lusismo, lusitanismo, lusitano, lusitanidade, lusocultura, bem como de adjetivos hifenizados, como luso-galaico, luso-brasileiro, luso-africano, luso-americano, luso-angolano, em desuso, em benefício dos vocábulos lusofonia e lusófono. O termo lusofonia diferencia-se de outros que lhe são próximos e seus concorrentes, como lusofilia (amor pelas coisas portuguesas), lusotopia (lugares onde efetivamente se fala português), lusografia (dá relevo ao uso da língua escrita, cujo uso não é totalmente coincidente com o da língua falada). Apesar de, para alguns, a língua portuguesa, etimológica e mitologicamente, como a língua do luso, encontre na palavra lusofonia o seu sentido mais nobre, sendo o uso da expressão luso, em vez de português, uma forma de superar o nacionalismo e entrar na área do mítico e do simbólico; para outros, o termo lusofonia não faz sentido, pois a língua portuguesa não é propriedade dos lusos, mas domínio próprio de cada um dos seus falantes.
Não se discutindo, neste texto, a legitimidade ou a propriedade do uso do termo lusofonia, não deixaremos de referir que, concorde-se ou não, é algo que existe enquanto realidade com potencialidades próprias, sendo evidente que não é por se utilizar tal conceito que necessariamente se está a negar que o nosso idioma não é pertença dos outros povos que o falam. Perspetivar a lusofonia em termos redutores de ideologias radicais ou de neocolonialismo, é um testemunho de imaturidade política e saudosismos nostálgicos, excluindo uma causa de união internacional, em favor de interesses alheios, também eles fundados num mesmo conceito linguístico e estratégico. Para quem entenda que no sentido etimológico de lusofonia predominam ecos neocolonialistas, parecem-nos muito mais visíveis em expressões concorrentes, como francofonia, anglofonia e hispanofonia, dado o seu sentido mais literal e imediato da  mensagem que lhe está subjacente. Também não é de ter como aceitável a divisão entre fonias boas e más, defender o mito das línguas ricas e desenvolvidas e das pobres e subdesenvolvidas, tendo como absurdo que um país pobre ou subdesenvolvido não fale uma língua de um país rico, quando é sabido que a maioria dos países africanos (e vários asiáticos) têm o francês e o inglês como idioma oficial e nenhum deles integra os países desenvolvidos e ricos, sem prejuízo da perigosa subalternidade a que ficariam sujeitos os falantes de línguas não tidas como de eleição.
2. Independentemente das críticas, emoções ou paixões que a questão provoque, é um dado adquirido que o termo lusofonia está consagrado na bibliografia internacional especializada, sendo tida, no essencial, como o conjunto de pessoas ou a comunidade de povos e países que têm o português como língua materna e oficial (Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Sobressai, de imediato, em ambos os casos ser, prioritariamente, uma comunhão de língua.  
No seu significado literal e mais extensivo, integra o conjunto dos que falam português como idioma materno ou não, nele se incluindo os países que têm a língua portuguesa como oficial ou dominante, como Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, englobando também cidadãos de outros Estados que se expressam em geral em português, ou, ainda, que o têm como língua materna, como sucede com alguns goeses, cidadãos da União Indiana, ou com certos macaenses, cidadãos da República Popular da China, sem esquecer as variedades faladas por parte da população dos antigos territórios do Estado Português da Índia (Goa, Damão, Diu e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli), do papiá cristã de Malaca, ilha das Flores (Indonésia), comunidades de emigrantes portugueses e dos demais países lusófonos e seus descendentes, espalhados pelo mundo (lusófonos e lusófono-descendentes).
Assume uma nova dimensão com a assunção dos novos estados soberanos de língua oficial portuguesa, passando a sua operacionalidade por várias fases, desde o relacionamento privilegiado com o Brasil, à política de cooperação bilateral com os países africanos (PALOP) e à participação na ajuda multilateral para o desenvolvimento. Partiu-se de uma perspetiva lusíada e chegámos, em determinado momento, a uma perspetiva lusófona. Sem esquecer que o conceito de lusofonia está hoje formalmente instituído na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que é, de momento, o seu quadro institucional de referência, se bem que aquela nele se não  esgote e se lhe antecipe, dada a sua maior amplitude. Embora tal conceito linguístico seja o que agarra mais de perto, por agora, o que normalmente designamos por lusofonia, tende a ser, com a globalização, cada vez mais abrangente, indo para além do núcleo duro da CPLP, ao abranger outras línguas e culturas desses países e demais regiões lusófonas em contacto entre si e com a língua unitária e comum, assim como pessoas, grupos e instituições de outras proveniências que se interessem pelos lusófonos, mantendo com a língua portuguesa e culturas lusófonas um relacionamento de especial interesse e empatia. A lusofonia não deve servir para que Portugal e restante mundo lusófono se sintam orgulhosamente sós, mas para que possam dialogar com os outros espaços do mundo contemporâneo, numa perspetiva de saudável confluência e de ecumenismo universal.          

 

6 de maio de 2015

Joaquim Miguel De Morgado Patrício