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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A SEDE DE INGRID BERGMAN

 

Nunca esperou que, de madura, a fruta lhe caísse no colo. Era já actriz na Suécia quando um produtor lendário, David O. Selznick a trouxe para Hollywood.

 

Pegou de estaca. Os seus melancólicos olhos azuis encheram cinemas. E mesmo que o tempo lhe desvaneça os filmes, a imagem romântica dela em “Casablanca” perdurará enquanto persistir a ideia de cinema. Esse filme que ela e Humphrey Bogart fizeram de costas voltados, beijando-se como quem não se beija, marcou a história do cinema e antecipou – ou será que determinou? – a sua história pessoal. Talvez a biografia de Ingrid seja a prova de que a vida é apenas o inimaginativo artifício que, tímido, imita o big bang da criação artística.

 

Como em “Casablanca”, esta história da vida dela começou em Paris. A Primavera de 45 assistira à vitória dos aliados. O ar exsudava pólen: o da desbragada natureza e o da gloriosa liberdade. A altíssima sueca viera animar as tropas e regressava num fim de tarde ao Ritz onde dormia. Viu então o fotógrafo de guerra que escondia a nacionalidade húngara debaixo do americaníssimo nome de Robert Capa. Tinha a elegância e a virilidade dos mal-vestidos. Olharam-se e foi o coup de foudre. A Bergman não hesitou: ela não era só a mulher casada e mãe. Como em “Casablanca” a Bergman era capaz de ser, se quisesse, a amante. Quis.

 

Amou e voltou para o marido como Ilse, em “Casablanca”, voltava para o heróico Lazslo. Mas tal como Ilse, Ingrid Bergman queria amar o amor de Capa. Pediu-lhe que viesse ter com ela à América, pronta a abandonar o médico sueco, pai da sua filha. Incapaz de fazer outra coisa que não fosse imitar a arte, Capa repetiu os passos de Bogart e, play it again, foi ele que não deixou a Bergman divorciar-se. Tal como Bogart, também ele partiu para uma qualquer Brazaville em guerra e continuou a ser o descomprometido fotógrafo que gostava de ser. “Teremos sempre Paris,” ter-lhe-á segredado à despedida.

 

Hitchcock conhecia a história e, à maneira dele, usou-a na “Janela Indiscreta”. O medo que Jimmy Stewart tem de que o casamento com Grace Kelly lhe roube a liberdade de correr riscos em campos de batalha é o medo chapado que fez Capa fugir da boca e da sede da lindíssima amante.

 

A sede da Bergman não se extinguiu. Poucos anos depois, quando o público americano via nela a virgindade da Joana d’Arc que acabara de interpretar, filmou “Stromboli” com o italiano Rossellini. É o filme de um vulcão. O mesmo vulcão que arrebatou os dois. Eram ambos casados e ela ficou grávida para escândalo do Senado que a proibiu de voltar à América. Pelo amor do seu amor a Rossellini, abandonou o marido e não viu a filha durante dez anos.

 

Ingrid Bergman não ia só com muita sede ao pote: era dona do seu pomar e colhia a fruta com as próprias mãos.

 

Manuel S. Fonseca