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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 3 a 9 de abril de 2023


«Portugal e o Islão – Novos Escritos do Crescente» (Teorema, 2009) de Adalberto Alves trata de temas diversos, como o do Diálogo Intercultural, a influência árabe na literatura portuguesa, a História do Período Muçulmano no nosso território ou as contribuições e os limites da Genética no estudo de tal época.

 

A ARTE DO LIVRO
“O Poder da Palavra” é um projeto do Museu Calouste Gulbenkian que visa valorizar a Arte do Livro e outros objetos da coleção do Médio Oriente, com o objetivo de abrir novas perspetivas e criar interpretações contemporâneas, que afirmem a importância essencial do património cultural imaterial. Já na quarta edição, Jessica Hallett e Fabrizio Boscaglia animaram a invocação da festividade do Noruz, o início do ano persa, no equinócio da Primavera. A partir do caminho da espiritualidade sufi, é um conjunto de iniciativas centradas no Museu sob o título “Sabedoria Divina – o caminho dos sufis” até 2 de outubro de 2023, que salienta a importância de um verdadeiro diálogo entre culturas. A noção moderna do património cultural, como o Conselho da Europa salienta na Convenção de Faro, corresponde a essa ideia dinâmica, em que o passado e o presente são fatores de enriquecimento e respeito mútuo, de criatividade e de paz.


A música, a dança, a poesia, a caligrafia são expressões da Beleza e Majestade Divinas. Assim, os poemas de amor sufi referem-se ao copo e ao vinho, como metáforas da complementaridade entre as práticas religiosas exteriores (copo) e do êxtase espiritual interior (vinho). O sufi encontra, assim, a Beleza em tudo, quando o ego se encontra pacificado e o coração é espelho polido que reflete a Luz Divina. Tudo ao nosso redor é uma manifestação Divina, do Uno, indescritível e intangível, inefável e belo, majestoso e misericordioso. Não podemos esquecer na cultura portuguesa a Arrábida, como topónimo de reminiscência sufi, no santuário mediterrânico da península de Setúbal, bem ligado à etimologia da palavra árabe, que significa ligação espiritual entre o mestre e o discípulo, e na nossa cultura e língua invoca grandes poetas como Frei Agostinho da Cruz ou Sebastião da Gama. E o certo é que essa ligação espiritual se estende às referências a ermidas e comunidades, com uma forte influência sufi. E invocamos o poema do mestre sufi Ibn ‘Arabi (1165-1240), incluído em “O Intérprete dos Sonhos”, cujas palavras transmitem a mensagem universal do sufismo, como caminho espiritual praticado de modo aberto pelos muçulmanos, centrado em cinco temas chave: Sabedoria, Unidade, Amor, Caminho e Plenitude.


UM POEMA ESSENCIAL
Leia-se o poema e compreenda-se essa rica ligação. “O meu coração tornou-se capaz de acolher todas as formas: / É pasto para gazelas e mosteiro para monges cristãos, / É templo para ídolos e Caaba para o peregrino muçulmano, / É tábuas da Torá e livro do Sagrado Alcorão. / Eu sigo a religião do Amor, qualquer que seja a direção / Que a sua caravana possa tomar. / Esta é a minha religião e a minha fé. Para o sufismo, a proximidade e a procura de intimidade com Deus são ideia-chave. Não por acaso, os primeiros sufis foram chamados como «a gente da varanda (uffah)», por reunirem inicialmente em Medina, sob uma varanda anexa à mesquita de Maomé. Desde então, os grandes sufis como Rābiʿa (718-801) e Rūmī (1207-1273) passaram a ser designados como amigos íntimos de Deus.


Ao invocar o diálogo de culturas e a riqueza da tradição sufi, ouvimos na língua original e em português a grande poesia árabe, e agradecemos a Adalberto Alves o seu trabalho continuado para o estudo dessa presença entre nós, num país cuja cultura e língua se contruíram num cadinho, onde os movimentos norte-sul e sul-norte se encontram e são comuns as referências aos vestígios das comunidades sufis, nas azóias (recantos de recolhimento), arrábidas e morabitos. E numa tarde mágica do início da Primavera pudemos entender como os poetas de Al-Garb do Al Andaluz continuam connosco com as suas palavras e, por isso, sentimos familiaridade quando ouvimos Ruy Belo a dizer “A primavera é o meu país / saio à rua sento-me no chão / e abro os braços e deixo raiz / e dá flores até a minha mão…” ou Antero de Quental a lembrar “Que beleza mortal se te assemelha, Ó sonhada visão d'esta alma ardente…”.

 

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença