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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

  

De 18 a 24 de setembro de 2023


Autor de “Revelação e experiência do Espírito” (Paulinas), Yves Congar foi um dos grandes teólogos do século XX. Assim, o novo Patriarca de Lisboa fez questão de o referir na entrada solene nas novas funções.


UMA ATITUDE RENOVADORA E ABERTA
Como lembrou Frei Bento Domingues, O.P., dominicano Yves Congar muito lutou e sofreu para publicar as suas investigações que punham em causa tabus, doutrinas e apologéticas que sufocavam a revisão teológica da sua história e impediam as reformas de que precisava para se abrir às outras Igrejas cristãs, ao universo das outras religiões e ao mundo contemporâneo. Nasceu em 1904 e faleceu em Paris a 22 de junho de 1995. Os seus restos mortais repousam no cemitério de Montparnasse, ao lado da sepultura que evoca a vida do seu confrade e amigo, Marie-Dominique Chenu. A sua vida e a sua obra são uma fonte de inspiração, para quem ama a Igreja e luta para que nunca se esqueça que a sua lei, na graça do Espírito de Jesus Cristo. Elaborou a sua teologia – em constante evolução e revisão – a partir do centro da vida e da história da Igreja Católica, em diálogo com as outras Igrejas cristãs, em escuta do universo das religiões não-cristãs e das correntes que agitam o mundo. Nos anos 30, em face da crescente descrença e indiferença religiosa, sintetizou o seu diagnóstico perspicaz: a uma religião sem mundo sucedeu um mundo sem religião. Acompanhou e marcou os grandes movimentos eclesiais que precederam o Concílio Vaticano II, designadamente no ecumenismo, na teologia do laicado e na reforma da Igreja. Congar afirmou: “As grandes causas que procurei servir chegaram ao Concílio: renovação da Eclesiologia, estudo da Tradição e das tradições, reforma na Igreja, ecumenismo, laicado, missão, ministérios”…


UM NOVO TEMPO
A nomeação de D. Rui Valério como novo Patriarca de Lisboa constitui motivo de alegria e de esperança num momento especialmente importante e exigente na vida da Igreja entre nós, perante inúmeros desafios marcados pelo período sinodal e pela necessidade de mobilizar energias no sentido de superar graves dificuldades recentes, de aproveitar o impulso das Jornadas Mundiais da Juventude e de apresentar à sociedade um sentido de renovação e de responsabilidade. É de bom augúrio a declaração do novo Patriarca segundo a qual se propõe dar à Igreja de Lisboa o que tem dado sempre ao longo da sua vida sacerdotal e como bispo: através da presença e da proximidade. “Vou ser um bispo da estrada, um bispo da rua, um bispo junto das pessoas. E é nessa ótica que vou concretizar e alinhar a minha ação”. Esta ideia de caminho, de atenção às periferias e de mobilização de todos, no sentido que tem sido dado pelo Papa Francisco, constitui um sinal forte e necessário.

A declaração solene feita no momento de entrada na diocese constitui um motivo de reflexão e de responsabilidade para toda a Igreja. «Tal como sempre, também hoje, à Igreja, incumbe a grave responsabilidade de indicar o verdadeiro alimento, a verdadeira água, e oferecê-lo. É essa a sua missão urgente». E não é por acaso que à presença necessária se junta o sentido da urgência. E continua D. Rui Valério: «Como já anotava o teólogo Yves Congar, acerca da pertinência da missão evangelizadora, conservando uma desarmante atualidade: “o nosso mundo já não está naquela espécie de harmonia e homogeneidade com a cultura católica, com os seus símbolos, com as formas de expressão católicas. Simplesmente é profano, secular, laico; é científico e técnico; mas também, cada vez mais, utilitário, hiper sensual, violento, afrodisíaco. Em larga medida é ateu, não porque esteja demonstrada a inexistência de Deus, mas porque se constrói cada vez mais fora da perspetiva de Deus e do seu culto. E Congar rematava: hoje, exigem-se gestos verdadeiros, uma palavra simples e verdadeira, sinais fortes e compreensíveis. Quer-se que a liturgia seja de Alguém, que seja expressão da sua alma e, por isso, que envolva e diga respeito à vida». E nesse sentido o Patriarca afirmou, no sentido do tom geral da Jornadas da Juventude: «Queremos ser Igreja Missionária que, ao estilo de Maria, se levanta apressadamente para a montanha do mundo e da humanidade.» Importa, assim, seguir um caminho audacioso e seguro, permitindo-nos exprimir gratidão e homenagem ao Cardeal D. Manuel Clemente, anterior Patriarca, pelo que realizou, pelas fecundas sementes que deixou e pelo muito que ainda tem para nos dar, na ação e no exemplo.


LEMBRAR A HISTÓRIA
Lembremos que Lisboa tem uma presença da Igreja Católica que vem dos primeiros séculos do Cristianismo. Foi elevada a metrópole eclesiástica, em 1393, tendo em 1716 o Papa Clemente XI, pela Bula de 7 de novembro, «In Supremo Apostolatus Solio», criado o Patriarcado de Lisboa, primeiro na Capela Real, em Lisboa Ocidental, estendendo-se em 1740 o referido estatuto a Lisboa Oriental. A decisão envolveu um acontecimento eclesial e régio. As razões que levaram o Papa a esta concessão inédita, diferente da de Veneza, que recebeu o título patriarcal já existente no Adriático, têm a ver imediatamente com a armada enviada por D. João V para deter o avanço turco no Mediterrâneo, seguindo um apelo insistente do referido Papa Clemente XI. A este facto, associa-se o zelo missionário de Portugal. Foi na verdade o auxílio prestado por D. João V ao Pontífice que decidiu a Santa Sé a reconhecer a importância da antiga capela real portuguesa. Assim a célebre embaixada do Marquês de Fontes (1712), enviada a Roma para defender o padroado português do Oriente e conseguir também o título patriarcal de Lisboa, obteve resultados positivos, graças ao auxílio político contra os turcos, que o Papa recompensou excelentemente. Pode dizer-se, contudo, que é o zelo missionário a razão decisiva para a permanência deste estatuto – que recorda os cinco patriarcados clássicos, Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém e se prolonga no Patriarcado da Índias Orientais, de Goa e Damão. O primeiro Patriarca de Lisboa foi D. Tomás de Almeida (1670-1754), notável teólogo, que veio do Porto para Lisboa, acompanhando D. João V até ao fim do seu longo reinado. Refira-se ainda, neste mês, o início do Ano Jubilar Vicentino, recordando o primeiro padroeiro da Cidade de Lisboa, São Vicente, cujas relíquias chegaram a Lisboa no dia 15 de setembro de 1173 e ficaram primeiro depositadas na Igreja de Santa Justa, sendo transladadas, no ano seguinte, para a capela-mor da Sé. Para assinalar a efeméride o Patriarcado de Lisboa, o Cabido da Sé e a Câmara Municipal de Lisboa concordaram numa série de celebrações comemorativas, em curso. 


Guilherme d'Oliveira Martins