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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

  

De 14 a 20 de outubro de 2024


O Papel da Literatura na Educação
(Paulinas, 2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma importante reflexão sobre a importância da leitura, da literatura e da arte como fatores de enriquecimento humano e de emancipação.


 

UMA CARTA OPORTUNA
A carta intitulada O Papel da Literatura na Educação (Paulinas, 2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma boa surpresa e uma leitura para todos, que pretende despertar para o amor pela leitura, propondo uma nova atitude para os cristãos em geral, para os candidatos à formação eclesiástica e para os leitores em geral, visando abrir espaço à leitura de obras literárias. A função pedagógica da obra é, assim, evidente, constituindo um precioso apelo à valorização do livro e da leitura. De facto, a literatura tem um efeito, inequivocamente positivo, de "educar o coração e a mente do pastor" para "um exercício livre e humilde da própria racionalidade", bem como para o "reconhecimento fecundo do pluralismo das línguas humanas". Deste modo, ler amplia a sensibilidade humana e permite "uma grande abertura espiritual". De facto, deve haver uma preocupação dos cristãos de "tocar o coração dos seres humanos contemporâneos para que eles possam comover-se e abrir-se diante da proclamação do Senhor Jesus". "A contribuição que a literatura e a poesia podem oferecer é de valor inigualável". Contudo, se o Papa refere em especial o caso dos cristãos, pode considerar-se que esta carta é dirigida a todas as pessoas, considerando a leitura e a arte fatores de aproximação entre todos no sentido do respeito mútuo, da imaginação, do pluralismo e da criatividade.  São incontestáveis os benefícios de um bom livro que, "muitas vezes no tédio das férias, no calor e na solidão de alguns bairros desertos", torna-se "um oásis que nos distancia de outras escolhas" e que, em "momentos de cansaço, raiva, deceção, fracasso", pode ajudar-nos a superar tais momentos e a "ter um pouco mais de serenidade". Porque talvez "essa leitura abra novos espaços interiores" que nos ajudem a não nos fecharmos "naquelas poucas ideias obsessivas", que "nos prendem de maneira inexorável". Aliás, muitas vezes as experiências com redes sociais têm conduzido a um fechamento ou a uma lógica de circuito fechado, que a literatura e a reflexão contrariam. E o Papa Francisco recorda que as pessoas costumavam dedicar-se à leitura com mais frequência "antes da onipresença dos meios de comunicação social, das redes sociais, dos telefones celulares e de outros dispositivos". Enquanto um produto audiovisual pode ser "mais completo", a verdade é que "a margem e o tempo para 'enriquecer' a narrativa ou interpretá-la são geralmente reduzidos", todavia a leitura de um livro desafia o leitor a um papel mais ativo, porque a obra literária é "um texto vivo e sempre fértil". Acontece que, quando lê, “o leitor é enriquecido com o que recebe do autor", tantas vezes distante no espaço e no tempo, mas que nos permite ir além e isso permite fazer florescer a riqueza de sua própria pessoa. Assim, importa alcançar um acesso privilegiado, através da literatura, ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano. Porque, na prática, a literatura tem a ver "com o que cada um de nós deseja da vida" e "entra em uma relação íntima com nossa existência concreta, com as suas tensões essenciais, com os seus desejos e os seus significados".


AS VIRTUALIDADES DA LEITURA
O Papa Francisco adverte ainda para que não se leia por obrigação, devendo-se selecionar as leituras "com abertura, surpresa e flexibilidade". E assim enuncia as consequências positivas que decorrem do "hábito de ler", como ajuda a "adquirir um vocabulário mais amplo", a desenvolver a própria inteligência, a estimular a imaginação e a criatividade, permitindo que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica, melhorando a capacidade de concentração, reduzindo os níveis de deficit cognitivo, e acalmando o stress e a ansiedade. Em termos concretos, a leitura "prepara-nos para compreender e, assim, enfrentar as várias situações que podem surgir na vida", continua Francisco, "ao ler, mergulhamos nas personagens, nas preocupações, nos dramas, nos perigos, nos medos de pessoas que acabaram por ultrapassar os desafios da vida". E com Jorge Luis Borges podemos chegar a definir literatura como a possibilidade de "ouvir a voz de alguém". E esse alguém, próximo ou distante no tempo e no lugar, torna-se um valioso companheiro, com quem temos possibilidade de dialogar, transformando esse intercâmbio num fator de compreensão mútua e de reconhecimento comum.


A literatura permite, afinal, “fazer eficazmente a experiência da vida”. E se a nossa visão ordinária do mundo é “reduzida” e limitada pela pressão que os objetivos operacionais e imediatos do nosso agir exercem sobre nós “também o serviço – cultual, pastoral, caritativo – pode tornar-se” somente algo a fazer, o risco passa a ser o cair na busca duma “eficiência que banaliza o discernimento, empobrece a sensibilidade e reduz a complexidade”. Assim, na "nossa vida quotidiana", devemos aprender “a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a contemplar e a escutar. Isto pode acontecer quando, de modo desinteressado, uma pessoa se detém para ler um livro. É necessário “recuperar formas hospitaleiras e não estratégicas de relacionamento: ocorre distância, lentidão, liberdade para uma abordagem da realidade, em palavras simples, a literatura nos permite "treinar o nosso olhar para buscar e explorar a verdade das pessoas e das situações", "nos ajuda a dizer nossa presença no mundo". Além disso, insiste o Papa, "lendo um texto literário" vemos através dos olhos dos outros, desenvolvemos "o poder empático da imaginação", "descobrimos que o que sentimos não é só nosso, é universal, e, por isso, até a pessoa mais abandonada não se sente só”. E assim descobrimos que aquilo que sentimos não é apenas nosso, é universal, e por isso descobrimos alguém que nos acompanha.


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença