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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 11 a 17 de novembro de 2024


“História Global da Literatura Portuguesa” (Temas e Debates, 2024) tem direção de Annabela Rita, Isabel Ponce de Leão, José Eduardo Franco e Miguel Real. Trata-se de uma iniciativa de grande relevância que merece destaque.

 


A “História Global da Literatura Portuguesa” abrange oito partes, correspondentes a outros tantos períodos estudados – Ressurgências – Idade Média; Humaniores Litterae (Renascimento); Entre as sombras e o esplendor (Maneirismo e Barroco); O espírito das Luzes (Iluminismo); Decadência e regeneração (Romantismo e Realismo); Com golpe de asa (Idade dos ismos); e Primavera Fulgurante (Democracia). Como salienta José Carlos Seabra Pereira, esta «é uma obra qualificadamente insólita que nem teme afastar-se do regime tradicional de narrativa e anotação contínuas, nem o ignora no palimpsesto do seu horizonte de inscrição. A estrutura inabitual com que esta obra procura uma correta e fecunda equação com aquela consciência cognoscente faz pensar na dialética de memória e esquecimento que, vinda do pensamento de Renan sobre O Que É Uma Nação, Paul Ricoeur torna central na sua filosofia da História, mas dir-se-ia que combina com o pensamento de E. Lévinas sobre escolha, lacuna e exemplaridade nas fases historiográficas». Assim, contamos, entrada a entrada, com investigadores de gerações e abordagens diferentes, com diversas perspetivas e trajetos que manifestamente enriquece o conjunto. Nesse sentido, esta pluralidade, permite-nos dispor de uma visão poliédrica da realidade literária e da criação artística. Esta articulação constitui um claro incentivo para a melhor compreensão da especificidade de cada tempo e década realidade. De facto, a proposta dos Estudos Globais constitui um desafio aberto e exigente que no campo da Literatura assume um especial significado pela natureza da criação narrativa. A lógica interdisciplinar associa-se à necessidade de se considerar o confronto entre gerações e épocas, entre visões e mundividências. Daí a importância de uma renovação da leitura literária, como refere ainda Seabra Pereira, centrada na relação de hospitalidade, de mestiçagem simbólica, de crioulização semiótica ou de originalidades híbridas e compósitas, enquanto valorização do alcance antropológico da literatura, autointerpretação e imaginação simbólica do humano. E assim a perspetiva global e intercultural, mais do que multicultural, dá importância à abertura e à transdisciplinaridade, que recusa a facilidade do superficial ou passageiro, para ir ao encontro das interações e da compreensão da complexidade.


ESPAÇOS ABERTOS A COMPREENDER
Importa compreender, como afirmam os coordenadores da obra, que os territórios da Literatura se configuram como espaços abertos. “Se a Literatura é a ‘antropologia das antropologias’, na expressão de Fernando Cristóvão, em que o ser humano se retrata na diversidade, na complexidade e na profundidade das suas aspirações e manifestações, o domínio da criação literária é o campo poroso pelo qual o mundo todo tem muitas vezes passado ou pelo qual pode vir a passar”. Estamos, afinal, perante um objetivo privilegiado da história global – eis o interesse acrescido desta obra e da metodologia que adota. O “global” torna-se, assim, uma chave hermenêutica para revisitar e pensar a história dos vários domínios da produção humana. Não se trata, contudo, de uma história totalizante. Ao contrário, deve incentivar-se a “vontade de promover análises em diversos níveis, mudar perspetivas, combinar diferentes escalas. Mais do que a multidisciplinaridade, insistamos, é a inter e a transdisciplinaridade que importa, como relacionamento mútuo de domínios e como modo de superar as leituras lineares. É uma mutação epistemológica que gere as suas diferentes relações, alcançando o equilíbrio numa democracia cognitiva, considerando a complexidade e a ideia de metamorfose, mais do que a ideia de mera transformação, como tem, de modo persistente e pertinente, sido afirmado por Edgar Morin. O anacronismo, tantas vezes cultivado em nome de uma falsa coerência, tem assim de dar lugar à ideia de que “cada literatura, respeitando as suas idiossincrasias e sem compromissos, comunica com todas as outras e com os respetivos contextos”. Deste modo, os quatro diretores da obra confiaram a cada um dos coordenadores gerais de cada período a elaboração do plano de temas e autores de referência, bem como a seleção dos respetivos especialistas para a criação dos diversos verbetes. Assim, a subjetividade corresponde à própria ideia de diversidade, cabendo ao leitor e ao estudioso proceder criticamente à leitura das análises e das sínteses que envolvem sempre a consideração plural da perspetiva global. Não se trata de cultivar o aleatório, mas sim se pôr a complexidade em ato, entre diversas perspetivas e conclusões. A novidade e a criatividade resultam, pois, da consideração do pensamento como conjunto de caminhos que permitam, afinal, o conhecimento e a compreensão de cada tempo, sem a tentação das simplificações ou das caricaturas. O exemplo de José Agostinho de Macedo, por contraponto a Garrett e Herculano, representa, por exemplo, o paradigma de um século de contradições – entre a resistência e a adesão a dinâmicas globais. E uma voz singular e reativa representa a tensão sempre existente quando se trata de olhar uma história global na sua originalidade…     


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença