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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 6 a 12 de janeiro de 2025


Na semana em que ocorrerá a justíssima trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, recordamos a publicação da autoria de Alfredo Campos Matos de “Eça de Queiroz – Fotobiografia – Vida e Obra”, Caminho, 2007.

 


OPORTUNIDADE ÚNICA
A leitura desta fotobiografia constitui oportunidade única para conhecermos melhor não só a vida e obra de José Maria Eça de Queiroz (1845-1900), mas também a história do seu tempo, uma vez que poucas personalidades culturais portuguesas tiveram uma influência tão grande sobre o país, no tempo da sua existência e no século que se lhe seguiu. Como aconteceu tal? Através da capacidade excecional de retratar Portugal e os portugueses com argúcia e ironia, estabelecendo uma relação próxima com as grandes referências intelectuais do seu tempo. Nas suas personagens está o retrato de um País que ainda não desapareceu… Lembremo-nos da fotografia tirada no velho Palácio de Cristal do Porto em 1885, onde se encontram as cinco maiores referências culturais de então – Antero de Quental, Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Depois de um encontro aparentemente fútil, em torno de um leque a oferecer à noiva de Eça, foi possível reunir lado a lado o suprassumo da elite desse tempo.


UM ROTEIRO NECESSÁRIO
Definindo um percurso rigorosamente delineado, o autor permite-nos seguir a par e passo quem foi o grande romancista, permitindo-nos ter contacto com o meio em que nasceu e viveu, a família, a Universidade de Coimbra, os amigos, a atividade diplomática que desenvolveu e a atenção que prestou ao país e ao mundo. Não faremos aqui uma análise exaustiva desta obra indispensável, limitar-nos-emos a seguir um breve roteiro de Lisboa do escritor. Quando se faz um roteiro, escolhemos alguns pontos focais que nos permitem fazer a peregrinação. No caso de Eça de Queiroz, na cidade de Lisboa, o Jardim de S. Pedro de Alcântara, o Chiado e o Rossio são os polos naturais. E nessa varanda sobre a cidade, onde, os amigos vindos de Coimbra estabeleceram o que designaram como Cenáculo, Jaime Batalha Reis explica: “E como Antero e eu nos tivéssemos habituado a estar juntos dia e noite, pensando em voz alta, conversando , discutindo esquecidos muitas vezes, quase, de tudo que não fossem as ideias em conflito dos mil sistemas, fomos viver ambos para S. Pedro de Alcântara, em frente da Alameda, na sobreloja de uma casa que foi depois substituída por um palácio moderno, perto do convento alto”. E que era o Cenáculo? Um ponto de encontro com desígnios elevados da mudança do mundo. E lá se encontraram ainda Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Oliveira Martins e José Fontana. E as ideias germinavam. Aí nasceram as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, ao mesmo tempo que em Paris, acabada a guerra franco-prussiana, tinham lugar os acontecimentos dramáticos da Comuna de Paris. Antero de Quental, Eça de Queiroz e Adolfo Coelho ainda puderam fazer as suas palestras, mas Salomão Saragga já não pôde, perante a proibição governamental. E a iniciativa que poderia ter passado discretamente, tornou-se um acontecimento, que continuou o grande debate sobre o Bom Senso e o Bom Gosto, de Coimbra, alargando-o, com o protesto veemente de Alexandre Herculano, não em nome de qualquer programa político, mas na defesa da liberdade de pensar e de falar. E se falamos das Conferências do Casino, não esquecemos a Revista Ocidental, onde começou a ser publicado o romance iconoclasta de Eça “O Crime do Padre Amaro”. E ao descermos a atual Rua da Misericórdia até ao Largo de Camões, seguindo a muralha fernandina, artéria que se chamou Rua Larga de S. Roque e Rua do Mundo, passamos à porta do Restaurante Tavares, onde Eça jantava com os seus amigos Vencidos da Vida, enquanto numa rua paralela no Largo da Abegoaria (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro) se situava o Casino Lisbonense.


CHIADO LUGAR COSMOPOLITA
O Chiado é o segundo ponto por nós escolhido. Aí podemos encontrar as principais personagens dos romances de Eça. Paremos na esquina da casa Havanesa, loja refinada de tabacos, ponto de encontro dos janotas da altura. Nesta esquina o senhor Guimarães encontrou João da Ega a quem revelou a chave do mistério de “Os Maias”, entregando os papeis que provavam que Carlos Eduardo era irmão de Maria Eduarda. Por cima da Havanesa havia o Hotel Aliança, cujas persianas eram constituídas, na velha tradição lisboeta, por tabuinhas verdes descidas nas janelas, como “pálpebras pesadas de langor e de sono”, como Eça dirá em “A Relíquia”. Aqui encontramos o Conselheiro Acácio, despedindo-se apressadamente de Luísa em “O Primo Basílio” à porta da Basílica dos Mártires. Aqui estão as grandes lojas, o Jerónimo Martins, que representou o célebre azeite de Herculano, a Livraria Bertrand, a mais antiga da Europa, o restaurante Marrare do Polimento, lugar de muitos compromissos. Um pouco adiante o Teatro de S. Carlos, onde Carlos foi apresentado à condessa de Gouvarinho e onde Artur de “A Capital!” ficou deslumbrado por aquilo que viu na grande sala da ópera. No Chiado temos na atual Rua Ivens, antiga Rua de S. Francisco, o Grémio Literário e ao lado a casa onde morou a Maria Eduarda. O Grémio, fundado por Garrett, é referido em “O Primo Basílio”, “A Capital!” e “Os Maias” e foi aí que Eça primeiro leu “Les Fleurs du Mal” de Baudelaire. Descemos a Rua Garrett, antiga Rua Larga de Santa Catarina e aprestamo-nos a chegar ao terceiro ponto por nós escolhido – o Rossio. É um dos cenários principais da ficção queiroziana. Aí está a casa de seus pais num quarto andar, onde o escritor morava quando vem à capital. A varanda oferece sobre a praça um panorama surpreendente, que nos dá a sensação de termos a cidade a nossos pés. Aqui passeiam o Padre Amaro, o Conselheiro Acácio, Luísa, o Raposão ou Gonçalo Mendes Ramires. O consultório médico de Carlos Eduardo da Maia tinha janelas para o Rossio, tal como o dentista de Luísa, o Dr. Vitry, personagem real. Para o Rossio dava também o escritório do Dr. Vaz Caminha, patrono do nosso conhecido Alípio Abranhos. Foi aqui que na passagem do cortejo comemorativo da chegada à Índia de Vasco da Gama que Eça foi reconhecido e teve uma inesperada ovação popular. E, voltando à varanda do quarto andar da casa dos pais de Eça, avistamos, a norte, o que foi a entrada do Passeio Público, sacrificado pela abertura da Avenida da Liberdade, onde hoje é a Praça dos Restauradores. O Passeio foi cenário obrigatório em “O Primo Basílio” - aí Jorge conheceu Luísa, Luísa encontrou-se com Basílio junto do tanque e D. Felicidade esperou pelo Conselheiro Acácio afrontada pelas flatulências… E há reminiscências do velho Passeio Público um pouco por toda a parte na cidade, como o coreto do Jardim da Estrela concebido para o antigo sonho pombalino à imagem dos parques londrinos. E falando do roteiro lisboeta de Eça, temos de ouvir João da Ega a gritar “Lisboa é Portugal – Fora de Lisboa  não há nada. O País está todo entre a Arcada e S. Bento”…     


Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença