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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  
De 28 de abril a 4 de maio de 2025


A data de 5 de maio foi oficialmente considerada no ano de 2009 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com a UNESCO, para celebrar a língua comum e as culturas da nossa língua.


A língua portuguesa é uma das línguas com maior expansão no mundo, com mais de 265 milhões de falantes espalhados por todos os continentes, sendo ainda a língua mais falada no hemisfério sul. O português é assim hoje, uma das principais línguas de comunicação internacional, e um idioma com uma forte extensão geográfica, prevendo-se um desenvolvimento significativo da sua influência até ao final do século, com especial incidência no Atlântico Sul. Os dias dedicados às línguas faladas em todo o mundo celebram anualmente a importância do multilinguismo e da diversidade cultural como fatores de paz e de respeito mútuo, bem como enquanto catalisadores da Educação, Ciência, Cultura e Comunicação, finalidades essenciais da UNESCO. Tais iniciativas constituem oportunidade para sensibilizar a comunidade internacional para a história, a cultura e o intercâmbio e cooperação entre as diferentes línguas. O multilinguismo é, aliás, um valor central das Nações Unidas e um objetivo de importância estratégica para a UNESCO, como fator essencial para a comunicação e entendimento entre os povos, suscitando a unidade, a diversidade, a compreensão internacional, a cooperação, a troca de experiências, o respeito mútuo e o diálogo entre culturas.


O idioma é essencial para a afirmação de uma identidade, mas também para enriquecer o diálogo entre culturas e civilizações. A língua portuguesa projetou-se em todos os continentes. Quando falamos dela, consideramos uma longa história, a partir do galaico-português, língua antiga, que cedo alcançou assinalável maturidade. O português ou o espanhol jamais foi dialeto um do outro. A partir da matriz galega, temos uma diversidade de influências, como a moçárabe, principal veículo transmissor de um grande número de vocábulos árabes para o nosso léxico, pela parte bilingue da população, além dos caracteres próprios adquiridos da expansão graças à cultura quinhentista. Devemos, assim, falar de uma língua de várias culturas e uma cultura de várias línguas. De várias culturas, pela natureza própria da diversidade política, como língua de unidade de várias nações, como língua segunda, ou como língua integradora no complexo mosaico étnico e geográfico – ora em África, ora no Brasil. Quando referimos várias línguas, reportamo-nos ao desenvolvimento dos crioulos, de raiz portuguesa, e à coexistência com as línguas autóctones. Lembremo-nos de Baltasar Lopes, de Cesária Évora ou de Mário Lúcio e encontramos pontes essenciais de diálogo. De facto, sem paternalismos ou simplificações, a partir de exemplos concretos, trata-se de considerar uma “língua coincidente” que deve ser vista como realidade em constante movimento.


Temos assim de abrir espaço para a diversidade linguística, estabelecendo pontes entre os vários idiomas e as várias culturas. Não podemos esquecer que as chamadas Humanidades irão ganhar uma configuração cada vez mais fortemente relacionada com todas as disciplinas científicas. Como investigar as literaturas e as artes sem considerar a diversidade de culturas e línguas? Como dignificar a ciência sem ter vocabulários ligados á línguas?   Infelizmente, há quem julgue que a avaliação académica deve ser uniformizada e redutora, o que é o contrário da compreensão da diversidade. E não se pense, pois, que a tendência futura é para a existência de uma única língua franca. Num mundo globalizado, não podemos falar da língua portuguesa como realidade fechada, mas como uma identidade aberta e dinâmica, e aí está a sua riqueza e a sua virtualidade.


Como disse Sophia de Mello Breyner: «Gosto de ouvir o português do Brasil / Onde as palavras recuperam sua substância total / Concretas como frutos nítidas como pássaros / Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas / Sem perder sequer um quinto de vogal…» (Geografia, 1967). Como Unamuno bem pressentiu e Eduardo Lourenço interpretou, com rigor e perfeição, somos feitos de lirismo e de história trágico-marítima – com mistura do picaresco, do escárnio e maldizer. Encontramo-nos nessa realidade multiforme desde a poesia trovadoresca até à rica poesia contemporânea, passando por Camões, Sá de Miranda, Bocage, Garrett, Herculano, Antero de Quental, João de Deus, Cesário, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Jorge de Sena e todos mais… Portugal, como palavra, é uma eterna convergência da lembrança e do desejo, do amor e da provação, e a língua portuguesa, espalhada pelo mundo foi-se construindo nessa pluralidade e nessa complementaridade… A língua portuguesa, temperada com mais açúcar ou mais especiarias, é um traço de união e de diferença. E se dúvidas houvesse João Guimarães Rosa leva-nos em busca da terceira margem, Mia Couto reinventa-nos em permanência, enquanto Adélia Prado usa como matéria-prima o afeto e a esperança… Eduardo Lourenço é perentório: «O que tínhamos de provar ao mundo já provámos quando isso era uma novidade e constituía uma ação para a humanidade inteira. Temos sempre este complexo de ser uma pequena nação não tão visível como outras. Mas outras nações também não são visíveis». Somos quem somos, porque queremos. «Não se sabe assim como é que há quase mil anos este país pequenino, aqui no canto da Europa, é ainda sujeito do seu próprio destino.». A História é uma constante batalha cultural. Mas há ameaças e perigos, e até indiferença e acomodação. Idioma de várias latitudes e culturas – eis um caleidoscópio incompatível com uniformidade ou paternalismo. Prevalecem o pluralismo e a diversidade. Por isso, Vieira, Garrett, Antero e Cortesão aspiraram a um patriotismo prospetivo, em que o fundo da língua portuguesa se afirma como exigência de abertura e pluralismo. Como disse magistralmente António Ferreira: «Floresça, fale, cante, ouça-se e viva / A Portuguesa língua, e já onde for. / Senhora vá de si, soberba e altiva. / Se téqui esteve baixa e sem louvor, / Culpa é dos que a mal exercitaram, /Esquecimento nosso e desamor». 


Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença