Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

22352300_gA2IW.jpeg
   De 23 a 29 de junho de 2025

 

Foi há 80 anos! Em 1945, a 13 de maio, o Centro Nacional de Cultura foi fundado por Afonso Botelho, António Seabra e Gastão da Cunha Ferreira, vindos de uma peregrinação a Fátima.

 

CNC _ fachada (6) by Adriano julho2019.jpg

 

Passava uma semana sob o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Desde o primeiro momento, as ideias novas e a modernidade estiveram bem presentes no CNC. E o Centro tornou-se, no Largo de S. Roque, ponto de encontro pioneiro de jovens artistas, escritores, pessoas do teatro, defensores avant-la-lettre do meio ambiente e da fidelidade às raízes, com os olhos postos no futuro. Sarah Afonso foi a primeira mulher no Centro, graças à participação de Almada Negreiros. Este e Fernando Amado fizeram do tempo novo a regra e o princípio. E, sem cuidar das naturais vicissitudes de um grupo que ganhou direitos de alforria sonhando uma «Cidade Nova», notamos que depressa foi o desejo de ar fresco e de liberdade de espírito que prevaleceu neste grupo de jovens monárquicos que desejavam usufruir de uma necessária liberdade. Tudo começou logo em 1946 com um grupo de teatro que levou à cena “A Caixa de Pandora” com Fernando Amado, Ruy Cinatti, João Maria Bravo e Vasco Futscher Pereira. Houve uma rádio de curta duração, mas foi muito importante uma auspiciosa “Exposição de Arte Moderna” com Almada, António Dacosta, Eduardo Viana, Carlos Botelho, António Lino e Cândido Costa Pinto... Nesta primeira fase, o Centro andará com a casa às costas, sucessivamente na Rua da Horta Seca, na Rua do Ataíde e na Rua do Loreto 42-1º andar, até 1952, altura em que assenta armas e bagagens na Rua António Maria Cardoso, nº 68. Era presidente da direção João Camossa Saldanha. São aprovados os estatutos com Gonçalo Ribeiro Telles. Têm lugar cursos sobre a Saudade, com Afonso Botelho, a que se seguem conferências marcantes de Delfim Santos e Gabriel Marcel. Presidem aos destinos do CNC Adriano Vaz Pinto e António Seabra. Até que, a partir de 1957 a figura marcante passará a ser Francisco Sousa Tavares, que se afirma contra todo o conformismo. Foi ele quem primeiro definiu o Centro como humanista e um lugar de autonomia e de criação, de liberdade e de inteligência. E Gonçalo Ribeiro Telles ligou a revista “Cidade Nova” à natureza e à terra. Para a realização de sessões e conferências, à falta de cadeiras, usavam-se cestos de vime… Em 1954 o grupo de teatro leva à criação da Casa da Comédia, centrada no grupo Fernando Pessoa, com «O Marinheiro», que realiza em 1962 a memorável tournée no Brasil, onde encontrou Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Vinicius de Moraes e Cecília Meireles. Sousa Tavares e António Alçada Baptista marcam por essa altura decisivamente o CNC, num sentido personalista, democrático e constitucional. Lourdes de Castro faz com José Escada a sua primeira exposição organizada pelo Centro. No CNC reúnem-se os fundadores do jornal “57”, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho, Orlando Vitorino e António Quadros, num tempo em que também se ouve a «Heterodoxia» de Eduardo Lourenço. Dos debates monárquicos, bastante acesos, passa-se à ideia democrática, com a candidatura de Humberto Delgado (1958), o apoio ao Bispo do Porto, a reflexão sobre o “dever social dos cristãos”, em que pontua o facto de António Alçada Baptista ter comprado uma pequena livraria jurídica que se abalança a ganhar dimensão. A aventura da Livraria Moraes e do Círculo do Humanismo Cristão. O Concílio Vaticano II e o tema da abertura democrática põem o Centro no coração dos temas atuais e necessários. Em 1961 realizam-se as conferências de quinta-feira, sob impulso da nova presidente da direção, Helena Cidade Moura. São convidados como oradores o Padre Manuel Antunes, Joel Serrão, Virgínia Rau, Vitorino Magalhães Godinho, Ruy Belo, Adérito Sedas Nunes, David Mourão-Ferreira, Luís Francisco Rebelo. Alçada Baptista cria a partir de 1963 as revistas «O Tempo e o Modo» e «Concilum». «A ação começa na consciência. A consciência pela ação insere-se no tempo. Assim a consciência procurará o moo de influir no tempo. Por isso se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo» - proclama a fórmula de Pedro Tamen. João Bénard da Costa, Alberto Vaz da Silva e Nuno Bragança apontam caminhos novos na criação e na crítica literárias. De Agustina a Jorge de Sena há novos valores a considerar. Nasce a Resistência Cristã com Nuno de Bragança, José Pedro Pinto Leite e João Bénard da Costa. O início da Guerra de África e invasão de Goa suscitam reações contraditórias, mas a exigência de liberdade torna-se premente. Depois do fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela atribuição do prémio a Luandino Vieira pelo romance “Luuanda”, Sophia de Mello Breyner assume a presidência e torna o Centro um lugar de resistência intelectual. «Perfeito é não quebrar / A imaginária linha // Exata é a recusa / E puro é o nojo». Henrique Martins de Carvalho exerce as funções de Presidente da Assembleia Geral, onde se manterá até 1974. Coincidindo com as crises académicas e com a presença marcante no CNC de Sophia de Mello Breyner e Francisco de Sousa Tavares, jovens universitários tornam-se presença assídua – Jorge Sampaio, António Reis, Jaime Gama, José Luís Nunes, Eduardo Prado Coelho, Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Nuno Júdice, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra. Com a presidência de Francisco Lino Neto, realiza-se o 1º Encontro Nacional de Críticos de Arte. Contesta-se a guerra do Vietnam. José Manuel Galvão Teles preside ao Centro e Joana Lopes é membro da direção. É o marcelismo. Jorge de Sena vem falar. Na Sociedade Nacional de Belas Artes organiza-se o ciclo “Lusitânia, Quo Vadis?”. Há cargas policiais e detenções. Há dirigentes presos e o debate democrático é vivo e intenso, com Sousa Tavares a regressar à presidência. «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» - diz Sophia numa vigília de cristãos na igreja de S. Domingos, e nada pode ficar como dantes. Em 1970, António Alçada Baptista e Nuno Teotónio Pereira trazem para o Centro a “Associação para a Liberdade da Cultura”, presidida por Pierre Emmanuel. Entre nós, sob a designação de Comissão Portuguesa para as Relações Culturais Europeias tem um papel muito importante, tendo sido constituída por António Alçada Baptista, Padre Manuel Antunes, S.J., João Bénard da Costa; Nuno de Bragança; José Cardoso Pires; José-Augusto França; João de Freitas Branco; Luís Filipe Lindley Cintra; Maria de Loures Belchior; João Pedro Miller Guerra; Mário Murteira; José Palla e Carmo; José Ribeiro dos Santos; Rui Grácio; João Salgueiro; Adérito Sedas Nunes; Joel Serrão e Nuno Teotónio Pereira. António Alçada Baptista (1971-72); José Cardoso Pires (1972-73); João de Freitas Branco (1973-74) assumem rotativamente a Presidência do Centro Nacional de Cultura, cabendo a João Bénard da Costa a função de Secretário Permanente (1970-74). É um momento de contradições e perplexidades – se Nuno Teotónio Pereira é preso, Veiga Simão, o novo Ministro da Educação, constitui uma Comissão de Cultura onde se encontram membros do CNC. Mas a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos também aqui funciona clandestinamente... Um dia, Frei Bento Domingues é convocado para a PIDE e diz que na rua só conhece o Centro Nacional de Cultura… É a democracia que começa a afirmar-se. A liberdade de imprensa é defendida como essencial. Há cursos livres sobre temas proibidos, realizam-se os jornais falados. Uma sessão com José Afonso é proibida e acaba em carga policial. Em 25 de Abril de 1974, chega a democracia. Sophia escreve. «Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial, inteiro e limpo, / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo». Francisco Sousa Tavares está em 25 de Abril de 1974 no Largo do Carmo, como sempre estivera, na primeira linha da defesa da liberdade. É o primeiro civil a falar publicamente. A legalização dos partidos políticos faz o CNC interrogar-se. José-Augusto França à frente dos destinos do Centro instala aqui o departamento de História de Arte da Universidade Nova – e permite a sobrevivência. José Régio inspira o novo tempo. «Davam grandes passeios aos domingos». Helena Vaz da Silva assume a presidência do CNC com a direção da “Raiz e Utopia” (1977-2002), plena de entusiasmo e de novíssimas ideias. Inicia-se uma nova fase de debates, de percursos, de mil projetos sobre o Património Cultural e sobre a presença portuguesa no mundo… António José Saraiva e Eduardo Lourenço fazem da liberdade de pensamento um exercício de crítica e de recusa de lugares comuns – a psicanálise mítica do destino português e «Os Filhos de Saturno» desenvolvem-se como sinais de controvérsia e diálogo. A educação, a ciência, a cultura, as artes são poderosos fatores mobilizadores. Jovens cidadãos sobre rodas, “Os Portugueses ao Encontro da sua História”, o património cultural como realidade viva… As bolsas de jovens criadores e criar lusofonia ligam-se ainda  à formação nos temas europeus, no turismo cultural e nos roteiros patrimoniais. “Os Caminhos de Fátima” constituem uma iniciativa no âmbito dos roteiros do turismo religiosos que o CNC tem coordenado, sob a inspiração de Gonçalo Ribeiro Telles. O Centro teve  ainda a responsabilidade das Jornadas Europeias do Património do Conselho da Europa e aqui nasceu e concretizou-se a Convenção de Faro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea, assinada em 2005, ratificada e em vigor desde 2011… Guilherme d’Oliveira Martins (2002-2016) e Maria Calado (2016) assumiram a Presidência do CNC. A partir de 2012, aquando da realização do Congresso da Europa Nostra em Lisboa no Mosteiro dos Jerónimos, com a presença dos Príncipes das Astúrias, foi instituído com a Europa Nostra o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a divulgação do Património Cultural, cuja lista de premiados é a seguinte: Claudio Magris (2013); Orhan Pamuk (2014); Jordi Savall (2015); Eduardo Lourenço e Jean Plantureux – Plantu (2016); Wim Wenders (2017); Bettany Hughes (2018); Fabiola Gianotti(2019); José Tolentino Mendonça (2020); Anne Teresa De Keersmaeker (2021); Oksana Lyniv (2022); Jorge Chaminé (2023) e Thomas Struth (2024). Em 2025 teve lugar a décima terceira edição do Disquiet, encontros internacionais organizados em parceria com a Dzanc Books do Michigan (EUA) com uma centena de escritores norte-americanos em diálogo com escritores portugueses. A iniciativa nasceu sob a inspiração da memória do poeta Alberto Lacerda, invocando o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa / Bernardo Soares. Ao celebrar oitenta anos de vida, o Centro Nacional de Cultura constitui, pela continuidade e pela presença marcante, um exemplo que merece evocação.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

 

 

4 comentários

Comentar post