Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

 

De 20 a 26 de novembro de 2017.

 

«Por Tierras de Portugal y de España» de Miguel de Unamuno (1911) é uma obra fundamental, uma vez que permite, através de uma visão de fora sobre Portugal, compreender melhor a nossa realidade ontem e hoje.

 

QUE SÉCULO DE OURO?
«Sem negar o valor de alguns dos clássicos portugueses, devo dizer que, em meu entender, a literatura portuguesa, que merece ler-se, data do século passado, do período romântico, da época de Almeida Garrett e de Herculano. E creio que a sua verdadeira idade de ouro é a atual». Assim se exprime Unamuno sobre a literatura portuguesa, em texto datado de Salamanca, de março de 1907. De que fala o pensador? Naturalmente, das repercussões poderosas na geração de 1870, não escondendo profunda admiração pelos seus protagonistas – Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão. Os três primeiros já não faziam parte do número dos vivos, mas os dois últimos ainda estavam presentes. E o mestre salmantino invoca uma célebre conversa com Junqueiro: «O Cristo espanhol, dizia-me uma vez Guerra Junqueiro, está sempre no seu papel trágico: nunca baixa da cruz, onde, cadavérico, estende os seus braços e alarga as suas pernas cobertas de sangue; o Cristo português anda por costas e prados e montanhas, com a gente do povo, diverte-se com eles, merenda, e de vez em quando por pouco, para desempenhar o seu papel, regressa à cruz. (…) Aqui há o culto da morte; só que em vez de ser trágico, como em Espanha, é elegíaco e triste»… E ao dizer isto, o mestre sente encantamento. É verdade que não deixa de reconhecer, por comparação, as virtudes da literatura catalã, mas nas letras portuguesas vê um sinal da originalidade e o selo de uma identidade viva. E considera João de Deus o mais português dos nossos líricos do momento, corroborando Junqueiro esta consideração sentida. Mas Antero de Quental é outra coisa – comparável aos maiores na filosofia e na sensibilidade poética. «Em Espanha não temos nada que se assemelhe. Campoamor é a seu lado um falsificador do ceticismo. Quental foi uma das almas mais atormentadas pela sede de infinito e pela fome de eternidade. Há sonetos seus que viverão enquanto viva a memória das gentes, porque serão traduzidos, mais tarde ou mais cedo, em todas as línguas dos homens atormentados pelo olhar da esfinge». António Nobre apresenta o tom de um desespero resignado ou de resignação desesperada, que aparece noutros passos da literatura portuguesa.

 

CHORAR AMARGO, RIR BURLESCO
Quer o chorar amargo, quer o rir burlesco fazem parte da mesma atitude. E vem à baila Eça de Queiroz e as suas implacáveis sátiras que são tão dolorosas e exprimem queixume, como a mais triste das elegias. Os exemplos são significativos – A Ilustre Casa da Ramires e A Cidade e as Serras, mas também a corrosiva e supercrítica Correspondência de Fradique Mendes. Compreenda-se que é o autor do Sentimento Trágico da Vida a falar, apaixonado pelo caráter complexo do português. Há uma identidade construída num cadinho com ingredientes inesgotáveis. Mas Camilo Castelo Branco, com “alma tormentosa e apaixonada”, teria sido mais espanhol que português, com sinais de Quevedo. E Ramalho fala de proximidade com a dinastia dos Amadises e dos Palmeirins, numa participação evidente nas raízes do génio peninsular. E Oliveira Martins – o mais artista e penetrante dos historiadores - na História da Civilização Ibérica faz a análise desse génio, ilustrando-o com acontecimentos e com a demonstração das evidentes diferenças e complementaridades. Mas, para que não restem dúvidas, fica ainda para Unamuno a visão profética da língua portuguesa (e das línguas ibéricas) nas novas culturas da América do Sul, com evidentes e imprevisíveis potencialidades. Mas o pessimismo português impressiona o autor de Agonia do Cristianismo – que sobre Oliveira Martins diz que “o português é constitucionalmente pessimista”. O regicídio de 1908 deixa-o atónito, procurando compreender tão violenta expressão da ira do manso. «Neste povo doce, pacífico, sofrido e resignado, mas cheio de paixão por dentro, os crimes de sangue são raros, muito raros, raríssimos; mas entre os que ocorrem costuma havê-los muito mais atrozes e violentos que aqui em Espanha, onde por desgraça são mais frequentes tais crimes do que ali». Na literatura há manifestações contraditórias – para Herculano, a quem faltaria veia de artista, a literatura era uma missão e não um diletantismo, contudo para Garrett as coisas seriam diferentes já que usou a arte para descobrir o fundo do palpitar das entranhas portuguesas. “Que ouviu? Um coro de aflições tristes, uma resignação heroicamente passiva, uma esperança vaga, etérea na imaginação de uma jovem tísica e no desvario de um escudeiro sebastianista”. Eça cultivou a arte por ser estrangeirado…

 

ACREDITAR OU NÃO…
Miguel de Unamuno julga ver nestes diversos sinais que “estes elegíacos pessimistas não acreditavam na pátria”. E lê as últimas páginas de Portugal Contemporâneo. "Submissos até quando se rebelam”. O país dormiria e sonhava – seria dado despertar ainda a tempo? Parece haver contradição entre considerar uma idade de ouro literária e artística e verificar a persistência de uma passividade endémica. Mas é na superação dessa contradição que os homens da Geração de 1870 e da Vida Nova vão poder encontrar forças para superar o atraso. “Não foi por acaso que Herculano falou do plácido sepulcro rodeado de esperança?”. E Unamuno recorda então o culto muito português das almas do Purgatório, lembrando-nos do mar como um enorme lugar de naufrágios e de mortes. Não por acaso, a nossa criação literária alia o lirismo e a história trágico-marítima. E invoca a figura do “Desterrado” de Soares dos Reis, como um autêntico símbolo, daquilo que o escritor não sabe explicar sobre o que o atraía Portugal. “Que terá esta terra, por fora risonha e branda, por dentro atormentada e trágica? Eu não sei; mas quanto mais lá vou, mais desejo voltar. (…) Parece que por ali pousa a lúgubre sabedoria do Eclesiastes. Num povo triste, tristíssimo, as pessoas divertem-se, sem dúvida, mas divertem-se como se dissessem: comamos e bebamos, que amanhã morreremos”. Marcado pela morte do amigo Manuel Laranjeira e recordando o fim trágico de Antero, de Camilo e de Soares dos Reis, Miguel de Unamuno fala de um país suicida. “Este é um povo não só sentimental, mas também apaixonado, ou melhor dito, antes apaixonado do que sentimental. A paixão trá-lo à vida, e a mesma paixão leva-o à morte”… Cultor de paradoxos, o pensador espanhol não ilude a contradição, agravada pelas circunstâncias – o século de ouro é ditado pela forte consciência existencial e crítica. E a inércia do vulgo é contrariada pela determinação do mundo das ideias, tornando a ação arte, a arte vontade e a vontade determinação…

 

Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.