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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 19 a 25 de novembro de 2018.

 

Quando lemos “Istanbul – A Tale of Three Cities” de Bettany Hughes (Weidenfeld & Nicolson, 2017) compreendemos como a encruzilhada da História nos permite entender a incerteza e a mudança, a complexidade e as diferenças.

 

PATRIMÓNIO CULTURAL, REALIDADE VIVA
No Ano Europeu do Património Cultural, a atribuição do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, constitui um momento especial pela sua entrega a Bettany Hughes, de nacionalidade inglesa, historiadora, autora consagrada e responsável por programas de televisão e de rádio de extraordinária qualidade. Depois de Claudio Magris, Ohran Pamuk, Jordi Savall, Plantu, Eduardo Lourenço e Wim Wenders, o júri deliberou por unanimidade e em coerência com o espírito do Prémio, atribuir o galardão de 2018 a uma mulher que tem, ao longo da sua vida e obra, cultivado a memória histórica como fator de compreensão, de conhecimento e de salvaguarda da diversidade e do respeito mútuo. Entender a heterogeneidade das raízes e das culturas é perceber melhor quem somos, de onde vimos e como nos devemos relacionar com os outros. Helena Vaz da Silva é um exemplo bem presente quando falamos do património e da memória como realidades vivas. Foi notável a sua contribuição não só para o respeito do património cultural, mas também para a defesa dos ideais universalistas do humanismo e da cidadania ativa. O património cultural é uma realidade dinâmica e multifacetada – que abrange o que recebemos das gerações que nos antecederam, mas também a semente da contemporaneidade, de modo a criar valor através do incessante movimento da criatividade humana. Como afirma a Convenção de Faro do Conselho da Europa assinada em Portugal em 2005: “O património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução inclui todos os aspetos do meio ambiente resultantes da interação entre as pessoas e os lugares através do tempo”. É esse valor que desejamos proteger.

 

UM PRÉMIO PARA O FUTURO
Instituído pelo Centro Nacional de Cultura em 2013 em cooperação com a Europa Nostra, a principal organização europeia de defesa do património, que o CNC representa em Portugal, e o Clube Português de Imprensa, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva distingue contribuições excecionais para a proteção e divulgação do património cultural e dos ideais europeus. Num tempo em que há nuvens negras no horizonte no tocante a uma perspetiva humanista de cooperação humana e social – numa ameaçadora articulação dos riscos das mudanças climáticas, da saúde, da segurança alimentar, de proteção do planeta e dos perigos inerentes à ciber-segurança – torna-se necessário encontrar respostas capazes de articular a coesão social, a sustentabilidade humana e as novas dimensões do conhecimento. Os quatro cavalos que constituem o símbolo da Fundação Calouste Gulbenkian representam os domínios centrais da ação numa sociedade que se deseja mais humana – falamos da arte, da educação, da ciência e da filantropia. Só pela ligação desses meios poderemos garantir que a informação se torna conhecimento e o conhecimento sabedoria, e que as tecnologias se possam tornar instrumentos úteis e emancipadores ao serviço da pessoa humana. Eis por que razão a valorização do Património Cultural pode constituir-se em fator de dignificação humana. Bettany Hughes é uma reconhecida historiadora que dedicou os últimos vinte cinco anos à comunicação do passado. Mas não se trata de uma visão retrospetiva centrada num tempo pretérito, mas sim de uma leitura dinâmica das raízes, da História, do tempo, das culturas, dos encontros e desencontros, numa palavra: da complexidade. A especialidade da História e da Cultura da Antiguidade e da Idade Média da nossa premiada permite-nos perceber melhor os acontecimentos como desafios permanentes para compreender o que permanece e o que muda, o que une e o que diferencia, o que articula e o que complementa.

 

UM PERCURSO NOTÁVEL
Bettany Hughes tem um percurso notável que abrange as Universidades de Oxford, Cambridge, Cornell, Bristol, Maastricht, Utrecht ou Manchester. Devemos ainda recordar a tutoria no Institute of Continuing Education de Cambridge e a investigação no King’s College de Londres bem como a participação no New College of the Humanities. Quando percorremos as suas obras sentimos a noção viva de memória, como em “Helena de Tróia” (2005), mas também em “The Hemlock Cup: Socrates, Athens and the Search for the Good Life (2010), finalista do Writers Guild Award. Permito-me referir os mais de 50 programas de rádio e televisão que produziu e realizou para entidades diferentes como o BBC, Channel 4, Discovery, ou National Geographic. Falamos de programas vistos por mais de 250 milhões de telespectadores em todo o mundo. E é a pedagogia do património cultural que permite compreendermos melhor a cultura, a paideia ou a humanitas, de que falava Cícero. Assim, a História e as Humanidades têm permitido a Bettany Hughes realizar uma verdadeira pedagogia de cidadania e de humanidade, sobretudo no que diz respeito à defesa dos direitos de todos, e em especial das mulheres e à salvaguarda das diferenças e do respeito mútuo. Bizâncio, Constantinopla, Istambul são três referências que nos levam ao estabelecimento de necessárias pontes entre o Oriente e o Ocidente, entre o Imperio Romano do Oriente e os Impérios Orientais. Se Istambul é mais do que uma cidade, mas uma história, indispensável se torna conhecer e compreender essa realidade com ao menos seis mil anos. Trata-se de uma mosaico fantástico de fenícios, genoveses, venezianos, judeus, vikings… E ao invocar este caleidoscópio mágico vem à memória o testemunho de Calouste Gulbenkian, que, em Lisboa, nos últimos anos de vida pedia para usufruir da paisagem da cidade sobre o rio Tejo, uma vez que considerava ser a paisagem que mais se assemelhava à de Istambul de sua infância. Também Ohran Pamuk disse que entre Lisboa e a antiga Constantinopla havia semelhanças extraordinárias. E quanto às raízes históricas, aqui estiveram os fenícios que criaram a cidade, aqui chegaram os celtas desde a Capadócia até à Finisterra peninsular, aqui passaram os vikings e os marinheiros do Mar Norte, resultando a caravela da confluência das experiências do Atlântico e do Mediterrâneo e a navegação pelos astros graças ao astrolábio dos saberes vindos da Ásia trazidos pelas culturas de judeus e árabes. Quantas cidades encontramos no património cultural comum que nos deve mobilizar? Quantas culturas? Quantas pessoas? Bettany Hughes tem-nos ensinado a conhecê-lo, a defendê-lo e a amá-lo!

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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