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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

AGOSTINHO DA SILVA

 

Muito me reprovo e o aprovo tanto quanto outrora aprovei o que hoje me reprovo.

Agostinho da Silva

 

Já várias vezes tentei escrever nesta página acerca da minha admiração profunda pela cultura de Agostinho da Silva. Nunca sei se o que escrevo é o que senti de o ler, de o ouvir e o ter conhecido um pouquinho – orgulho meu – por com ele ter estado duas vezes após conferências a conversar um nadinha, ao meu sentir, um nadinha grande, ou, se o que escrevo dele, agarra-se sempre ao fascínio que em determinada altura senti pelo estudo dos milenarismos e por aí o segui, ou o final dos tempos não trouxesse um novo mundo de paz e felicidade e não fosse esse motivo bastante para lhe perguntar o quanto a vinda do Messias interrompia esta esperança; o quanto um reino com duração de mil anos é reino indefinido e curto para mudanças.

 

Depois (antes?) não sei, procurei-lhe nas palavras aquela liberdade única a que se referia com excelência como sendo a mais importante qualidade do ser humano e sendo que só através dela se mudaria a sociedade. 

 

Um dia, numa conferência, com o Mário Soares na mesa, começou Agostinho a falar de protocolo, afirmando nada saber a respeito, e durante mais de uma hora, deixou-nos extasiados com o seu poder de explicar o protocolo num imenso mundo de o saber como sendo um tema que o ligaria ao ser-estrangeiro, numa inteireza acordada de gestos e sinais em comunhão de escuta e de encontro com a «norma», a fim de se poder ser-se reconhecido num determinado papel de influência de grupo. E por aí adiante. E quando se sentou dando por terminada a intervenção, ficámos todos- diria assim - numa expectativa de identificação com um lugar que, ao menos com a clareza que o explicou, nunca o tínhamos visitado.

 

Sempre na luta desafiando melhores dias, também Agostinho da Silva escrevia poemas fortificados como este

 

Queria que os Portugueses

Queria que os portugueses 
tivessem senso de humor 
e não vissem como génio 
todo aquele que é doutor 

sobretudo se é o próprio 
que se afirma como tal 
só porque sabendo ler 
o que lê entende mal 

todos os que são formados 
deviam ter que fazer 
exame de analfabeto 
para provar que sem ler 

teriam sido capazes 
de constituir cultura 
por tudo que a vida ensina 
e mais do que livro dura 

e tem certeza de sol 
mesmo que a noite se instale 
visto que ser-se o que se é 
muito mais que saber vale 

até para aproveitar-se 
das dúvidas da razão 
que a si própria se devia 
olhar pura opinião 

que hoje é uma manhã outra 
e talvez depois terceira 
sendo que o mundo sucede 
sempre de nova maneira 

alfabetizar cuidado 
não me ponham tudo em culto 
dos que não citar francês 
consideram puro insulto 

se a nação analfabeta 
derrubou filosofia 
e no jeito aristotélico 
o que certo parecia 

deixem-na ser o que seja 
em todo o tempo futuro 
talvez encontre sozinha 
o mais além que procuro. 

Agostinho da Silva, in 'Poemas' 

 

Saudade tenho de o saber entre nós. Saudade terei sempre de o ouvir a convidar-nos a não ter medo.

 

Teresa Bracinha Vieira

Novembro 2017