AINDA AQUILINO DRAMATURGO
Voltamos à evocação do teatro de Aquilino Ribeiro.
Sendo certo que se poderia limitar a duas peças principais, e que a sua criação literária, até pela exigência expressa da linguagem, não se adequa diretamente à expressão cénica, reconhece-se a qualidade e originalidade de escrita do teatro, repita-se, exigente que seja e é, mas com, implicitamente, um sentido de espetáculo que merece sempre ser evocado.
E isto, mesmo que se tenha presente o conjunto da obra de Aquilino Ribeiro e a especificidade, nem sempre adequada ao espetáculo, da sua linguagem literária mas sobretudo teatral: e tendo presente que as peças principais de Aquilino são “Tombo no Inferno” (1920) e “O Manto de Nossa Senhora” (1962).
Veja-se pois a escassez da dramaturgia em si mesma, e também a dificuldade, diga-se outra vez assim, da expressão cénica e de espetáculo em si mesmo: e efetivamente, na nossa opinião, a prosa romanesca de Aquilino, vasta e muito qualificada e justa e adequadamente respeitada que é, não remete para o palco.
A verdade é pois que nos limitamos aqui à análise de duas peças: “O Tombo no Inferno” (1920) e “O Manto de Nossa Senhora” (1962). Já sobre elas escrevemos na “História do Teatro Português” e também agora se assinala o centenário da primeira delas, ocorria no ano passado.
Em qualquer caso, o próprio Aquilino, que sempre referiu com detalhes de apreciação crítica a sua vasta obra literária, analisou com objetividade a sua escassa dramaturgia.
Num “antelóquio” publicado em 1963 na edição do “Tombo no Inferno”, Aquilino escreve:
«Foi o “ Tombo no Inferno” construído sobre um episódio de fé e superstição, cuja realidade se situa já bastante aquém dos dias de hoje» assim mesmo… E acrescenta: «o meu escopo foi dar a angústia e desespero de homem pletórico de vida, não amando menos que um César, surpreendido, como um bandoleiro à esquina, pelo ucasse da morte»...
E nas notas de cena situa e esclarece os textos: assim, no “Tombo no Inferno” «a ação decorre em meios rurais da Beira Alta, princípio do século”.
E “O Manto de Nossa Senhora” tem uma “sala serrana marcada do fumo da cozinha”.
Cite-se a descrição/tipificação de personagens das peças: por exemplo, o Gaspar Roxo “sedentário e rico”, o Padre Facundo “baixo, grosso, largo de peitos”, o Evaristo “civilizado que condescende com o meio ou em vias de retrocesso”, a Joana Lorena “muito embiocada no xale” e tanto mais por aí fora!
Importa entretanto referir que não obstante o enquadramento regional de ambas as peças, e a tipificação da linguagem no geral não muito cénica, digamos mesmo pouca!... Ou como escreveu Álvaro Salema em «O Teatro de Aquilino Ribeiro» “o processo do romancista, do narrador vernáculo, sobrepõe-se à necessária economia verbal da transposição dramática”.
Mas reconhece e todos reconhecemos que nada disso afeta a qualidade literária das peças e obviamente a relevância do autor.
E mais: as suas análises literário-teatrais merecem também maior destaque.
DUARTE IVO CRUZ