ANTOLOGIA
ATORES, ENCENADORES (XI)
HOMENAGENS A UM GRANDE ATOR E A UMA GRANDE ATRIZ
por Duarte Ivo Cruz
Nos anos 60, inauguraram-se em Lisboa dois teatros em homenagem a dois grandes nomes do teatro português. O que está longe de ser inédito, mas merece destaque pela quase simultaneidade mas sobretudo pela referenciação dos artistas homenageados. Referimo-nos ao Teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado, que o fundou em 1964, e ao Teatro Maria Matos, este de 1969, num conjunto que envolve ainda um cinema e um hotel.
Vejamos um e outro caso.
O Teatro Villaret foi inovador pela rentabilização do espaço. Projetado pelo arquiteto Trindade Chagas com decoração de Daciano Costa, é o primeiro teatro de bolso, digamos assim, construído em Portugal: ocupa a cave de um prédio. O próprio Solnado o dirigiu durante alguns anos e desde logo marcou o espetáculo inaugural com uma adaptação modernizante do “Inspetor Geral” de Gogol.
Falaremos de Raul Solnado noutro artigo. Mas esta evocação permite referenciar outras manifestações de espetáculo, no sentido mais abrangente do termo, conduzidas por Solnado no próprio Teatro Villaret. E citamos designadamente a partir de 1969 a realização e transmissão pela RTP do celebérrimo programa ZIP-ZIP e desde logo, na estreia, a entrevista com Almada Negreiros, que constituiu uma verdadeira lição televisiva: inesquecível, na verdade, o dialogo com Almada e a comunicabilidade da entrevista, numa época em que tais tipos de “espetáculo” no mais nobre sentido do termo, não eram comuns na televisão - e sobretudo naquele registo profundo mas extremamente acessível…E também no Teatro Villaret se efetuou, em 1965, a ultima intervenção de Maria Barroso como atriz (“Antígona” de Anouilh).
O Teatro foi depois dirigido por Artur Ramos, por Vasco Morgado e incidentalmente em desdobramento do Teatro Nacional de D. Maria II. De 1965 a 1968 recebeu a Companhia Portuguesa de Comediantes, que encenou peças de Tennessee Williams e outros autores sobretudo norte-americanos, mas também o “António Marinheiro - o Édipo de Alfama” de Bernardo Santareno.
O Teatro Villaret continua, até hoje, em plena atividade, numa linha eclética quase sempre de qualidade.
Ora, nestes termos, nada mais justo do que a homenagem a João Villaret (1913-1961), notável tanto no teatro declamado como na revista e na televisão – aí, mantendo durante longo período um programa de declamação de poetas portugueses contemporâneos.
Fica na história do espetáculo em Portugal o seu talento e sobretudo a adaptabilidade a géneros e estilos diversos. Cita-se particularmente o seu envolvimento nos Comediantes de Lisboa, companhia que, de 1944 a 1950, renovou o repertório e o espetáculo teatral, sob a direção de Francisco Ribeiro: lembra-se, sobretudo o personagem Tatinho do “Baton” de Alfredo Cortez.
Esteve no teatro de revista desde o final dos anos 30 até 1959 e integrou em 1952 o elenco da primeira revista do Teatro Monumental - “Lisboa Nova” de Fernando Santos, Almeida Amaral de Frederico Valério: são espetáculos ainda hoje evocados pela qualidade, e pelo elenco que reunia a jovem Laura Alves, Eugénio Salvador, Aida Batista, Teresa Gomes…
E recorda-se, no cinema, a curiosíssima intervenção de um personagem mudo em “O Pai Tirano” de Lopes Ribeiro ou o D. João III do “Camões” de Leitão de Barros, ou ainda no “Frei Luís de Sousa” e em “O Primo Basílio” de António Lopes Ribeiro, esta em 1959.
Mas vejamos agora o Teatro Maria Matos. Inaugurado em 1969, Teatro Municipal, segundo projeto dos arquitetos Aníbal Barros da Fonseca e Adriano Simões Tiago, integrando um cinema e um hotel, estreou-se com o “Tombo no Inferno” de Aquilino Ribeiro. Viria depois a funcionar, dirigido por Artur Ramos, como uma espécie de desdobramento de companhias ligadas à RTP.
Em 1974, designadamente, encenou-se lá a ultima peça de Bernardo Santareno “Português, Escritor, 45 Anos de Idade”, a que se seguiu uma série de textos dramáticos de autores portugueses, que antes não seria possível encenar: por exemplo “Legenda do Cidadão Miguel Lino” de Miguel Franco, “O Encoberto” de Natália Correia, e adaptações de Eça (“A Relíquia”) ou de Manuel da Fonseca (“Seara de Vento”).
Maria Matos (1890-1952) merece bem a evocação. Foi atriz desde 1907 e a partir de 1913 fundou com o ator Mendonça de Carvalho, seu marido, uma companhia que na época marcou uma renovação de qualidade no teatro português. Foi professora do Conservatório desde 1940, nas cadeiras de Arte de Dizer e de Estética Teatral – e como tal antecessora de Gino Saviotti, o qual, nessa qualidade, foi já aqui foi evocado. Fez cinema, mas sobretudo, repita-se, marcou gerações de artistas e espetadores, ao longo de uma longa e qualificada carreira teatral.
E foi também dramaturga acidental, com três comédias: “Direitos do Coração”, “A Tia Engrácia” 81936) e “Escola de Mulheres” (1937).
Foto do arquivo de Osório Mateus
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 18.02.15 neste blogue.