AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO
XXIV - EXPRESSIONISMO ABSTRATO AMERICANO - I
POLLOCK: DO GESTUALISMO AO “DRIPPING”
A action painting, pintura gestualista ou de ação, tem por tema o próprio ato de pintar ou a pintura em si, não tendo como resultado final uma representação ou uma pintura descritiva, mas um conjunto de gestos que o artista imprime para exprimir as suas pulsões emotivas e interiores sem premeditações. Retoma, de modo mais proficiente, o automatismo dos surrealistas, ativando, com fins artísticos, latências ocultas e pulsões interiores isentas de quaisquer controlos. Secundarizando a forma e o cromatismo, sobressai uma visualidade imediata da interioridade do artista.
Exemplo de primeira água é a arte de Jackson Pollock, que usualmente pintava em telas de grandes dimensões, estendidas no chão ou encostadas a uma parede, que tinha como uma etapa para a feitura de murais, pintados diretamente na parede, tendo como ultrapassada a pintura de cavalete, à semelhança do mexicano Diego de Rivera. O que era uma anunciação do futuro, em paralelo com a monumentalidade dos edifícios de Nova Iorque, do Novo Mundo.
Quando Peggy Guggenheim o contratou, em 1943, para pintar um mural, surgiu a obra Mural, que pintou numa noite, numa velocidade instintiva e vitalidade desenfreada de gestos, cobrindo toda a superfície e onde inexiste uma zona central que atraia o olhar, dando origem ao novo movimento artístico conhecido por expressionismo abstrato.
É da autoria do crítico de arte H. Rosenberg a expressão action painting para designar os pintores do expressionismo abstrato. Em 1952, num afamado texto escreveu: “(…) os pintores americanos começaram um após o outro a considerar a tela como o teatro de uma ação, e não mais como um espaço para reproduzir, remodelar, analisar ou exprimir um objeto, real ou imaginário. O que era necessário colocar na tela, não era uma imagem, mas um acontecimento”.
Numa fase posterior e mais audaciosa, desenvolve a técnica designada por dripping: telas gigantes salpicadas de tinta, sem indícios de pinceladas, em que a tela é estendida no solo, atacada, explorada e gotejada por todos os meios, ora caminhando em cima, remexendo-a e atirando-lhe coisas, manipulando as tintas com paus, ferros, talheres, adicionando-lhe areia, botões, chaves, cigarros, fósforos, moedas, pregos, tachas, vernizes, vidros, numa infindável amálgama de objetos em permanente experimentação. Ou deixando que a tinta e a cor escorram sobre a tela de uma lata intencionalmente furada, ou os pincéis salpiquem a tela sem a tocar. Full Fathom Five (1947) foi uma das primeiras obras. N.º 5, de 1948, e Ritmo de Outono, n.º 30, de 1950, são outros exemplos.
“Eu pinto no chão. A maioria da tinta que uso é muito líquida, pouco espessa. E uso os pincéis mais como varetas, eles nunca chegam a tocar a tela, estão acima dela. Tendo-se experiência é possível controlar praticamente todo o correr da tinta. E eu não uso o acidental, visto negar o acidental”.
E justificando-se, dizia: “A arte moderna, para mim, não é mais do que a expressão dos objetivos contemporâneos da época em que vivemos. O que me interessa é os pintores de hoje não terem de procurar assunto fora deles próprios. Agora apoiam-se numa fonte diferente, pintam a partir de dentro. Parece-me que o artista moderno não pode exprimir esta época, o avião, a bomba atómica, a telefonia, à maneira do renascimento ou qualquer outra das culturas passadas” (excertos do filme Pollock, de Ed Harris). Tenho-a, pessoalmente, como uma pintura explosiva, em movimento, que se projeta para o infinito, projetando-se para fora da tela, havendo nela uma anarquia altamente organizada, sendo um ponto alto do expressionismo abstrato norte-americano.
Os trabalhos de Pollock, criados por gotas de tinta, ou tinta atirada à tela, foram tidos desde degenerados a pura inspiração de génio, tendo findo prematuramente, num acidente de viação, uma carreira reconhecida, à data, como brilhante.
Como nomes representativos da tendência autográfica, de forte pendor gestualista (action painting), merecem menção De Kooning, Franz Kline, Robert Motherwell, Francis, Adolph Gottlieb. Sem esquecer as influências de Arshile Gorky, emigrante natural da Arménia, que com o recurso à sua força gestual e a formas orgânicas não figurativas, disseminou bases para o expressionismo abstrato americano, influenciando o trabalho de criadores como Pollock.
26.09.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício