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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXVI - REALISMO (I)

 

O realismo é uma tendência artística que procura reproduzir, de forma real e direta, as manifestações da natureza, buscando a realidade autêntica, tal e qual é e se apresenta, despido de artifícios e correções, em contraposição a tendências idealistas e estilizadoras.   

 

Pela sua influência, merece menção o realismo francês do século XIX, num tempo de convulsões político-sociais, marcado pelas teorias de Proudhon, positivismo de Comte, o evolucionismo de Darwin e Lamarck, o idealismo de Hegel, em conjugação com o irreligiosismo de Loisy e Renan, o inconformismo com a tradição, a supremacia da verdade física, um materialismo otimista e um racionalismo criticista apologista da derrocada do trono e do altar.

 

Sendo uma reação contra o romantismo, defende reger-se pela objetividade, realidade e verdade, em que a natureza deve ser reproduzida com neutralidade e veracidade, num retrato fiel, não ocultando o feio, o mal, o vício, todos os aspetos baixos da vida, não lançando mão de estereótipos arredados do mundo real, em oposição ao subjetivismo pensante do idealismo, imaginação e sentimentalismo romântico.

 

Contra a apoteose do sentimento do romantismo, pretende transmitir a natureza em quadros exatos, flagrantes, reais, expurgando a retórica tida por convencional, enfática e piegas, retratando e pintando a realidade negra, maléfica e satanista da sociedade tal qual é, limitando-se a colocar o leitor e o observador diante das paisagens, dos protagonistas e suas condutas.

 

Entre os seus pioneiros, a nível da literatura, temos Balzac, Gustave Flaubert e Zola, cujos romances se liam avidamente, influenciando decisivamente, entre nós, Eça de Queirós, nas suas obras O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, Os Maias e a Relíquia. Não esquecendo Baudelaire em Les Fleurs du Mal.

 

Estas novas ideias entraram em Portugal pelo caminho de ferro, que encurtou a distância entre Coimbra e Paris, deixando o comboio inúmeros caixotes de livros na Lusa Atenas, onde chegavam mais rápido que a Lisboa, opondo a mocidade estudantil e universitária ao grupo da capital, onde era mentor Castilho e os seus discípulos, cujo conflito ficou conhecido pelo nome de “Questão Coimbrã”, a que se seguiriam, mais tarde, em Lisboa, “As Conferências do Casino”. A Terceira Conferência, subordinada ao tema “O Realismo como nova expressão da arte”, foi feita por Eça de Queirós, defendendo que a arte deve ter por fim corrigir e ensinar (fim teleológico), censurando a arte pela arte, e que só o realismo criaria uma arte capaz de revolucionar a sociedade.

 

Após estes impulsos, o movimento realista começou a concretizar-se com “As Farpas”, uma crónica mensal das letras, costumes e política, num duunvirato Eça-Ramalho Ortigão, em estilo humorístico e trocista. 

 

Seria Eça a impor-se, entre nós, o que ainda hoje sucede, com os seus propósitos de crítica social, ironia, caricatura, sarcasmos, tom zombeteiro e cosmopolitismo, em que O Primo Basílio e Os Maias são tidos como os seus romances realistas mais conseguidos.   

 

A atenção aos temas de carater social, ao mundo laboral e à realidade humana marcaram artistas como Courbet, dedicado à pintura de género e figurativa, de observação exata e um expressivo forte realismo através da densidade das figuras, causando escândalos com Os Britadores de Pedra (1850), o Enterro em Ornans (1850) e A Origem do Mundo (1866). Amigo de Proudhon, lutou por ideias revolucionárias, aderiu à Comuna de Paris (1871), o que lhe valeu a prisão.

 

Também na pintura realista de Millet perpassa o desejo de captar os traços essenciais de cenas ou personagens, sem perdas nos pormenores, analisando o mundo camponês em  O Joeireiro (1848), As Respigadoras (1857) e O Angelus (1859), onde realça figuras monumentais com grande rigor plástico.

 

Assiste-se também a uma espécie de fuga do mundo urbano e ao compromisso político que lhe estava associado, por parte de um grupo de artistas que se reúnem em Barbizon, na floresta de Fontainebleau, em França, cujo representante mais ilustre dessa escola  foi Théodore Rousseau, o primeiro a deixar a cidade e a fixar-se no campo, seguido por J. F. Millet, Troyon, Daubigny, Diaz la Pena, entre outros, teorizando uma pintura de paisagem ao ar livre, de ar-livrismo, procurando o contacto com a natureza, analisando e observando as suas manifestações e os seus segredos.

 

Com eles nasceu uma nova sensibilidade norteada por uma procura ou estética naturalista, tida como afim do realismo, que teve forte impacto em Portugal. 

 

03.04.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício