ATORES, ENCENADORES (XXVIII)
Adelina Abranches (in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/)
ADELINA E AURA ABRANCHES: RENOVAÇÃO FAMILIAR
Há uma certa constância, ao longo dos tempos, na renovação geracional da profissão e da atividade de atriz e ator. No século passado, os casos de Amélia Rey Colaço e Mariana Rey Monteiro, ou de Laura Alves e Vasco Morgado Filho podem servir de exemplo, entre outros mais.
Precisamente: trazemos hoje a evocação de duas atrizes exponenciais na história do teatro-espetáculo português, mãe e filha, que cobriram, em atividade simultânea ou sucessiva, quase um século de atividade contínua, a partir da segunda metade do século XIX. Assim, Adelina Abranches, nascida em 1866, estreou-se com 5 anos de idade, no Teatro D. Maria II (Janeiro 1872). Morreu em 1945, celebram-se pois daqui a meses os 75 anos. E a sua filha, a atriz Aura Abranches, nasceu em 1896 e morreu em 1962.
Também da família, filho de Adelina, irmão de Aura, o ator Alfredo Ruas fez a sua época, mas não abordaremos aqui.
Ocorre que Adelina Abranches esteve em cena, como se diz na gíria teatral, até pelo menos 1942. E Aura estreou-se no Teatro D. Maria II em 1907, num espetáculo protagonizado pela mãe. E em cena se manteve até 1962, tendo encerrado a carreira com uma impressionante interpretação do vicentino “Pranto da Maria Parda” em 1961, a que assisti: inesquecível pela qualidade e já agora pela formidável ovação do público, no final…
Ora bem: para lá desta recordação, a que acrescento muitas outras de Aura Abrantes, quero aqui referir um aspeto interessante das duas carreiras complementares. É que tanto Adelina como Aura surgem ligadas à estreia/revelação predominante de autores contemporâneos de cada uma delas. E isto, no que respeita ao teatro europeu ou brasileiro - pois ambas representaram no Brasil - mas sobretudo no que se refere ao teatro português. E Isto porque, designadamente no tempo de Adelina Abranches, quase não se representava entre nós qualquer outro “teatro” que não fosse, ou português, ou espanhol ou francês.
Mas o mais relevante, sobretudo no que diz respeito ao repertório português de ambas as atrizes, é a sua modernidade – para a época, claro: mas também a sua qualidade, e essa já não obriga a restrições cronológicas.
Senão, vejamos: Adelina estreou peças de Marcelino Mesquita, de D. João da Câmara, de Eduardo Swalbach, Bento Faria, Henrique Lopes de Mendonça, Vasco Mendonça Alves, Ramada Curto, entre outros mais. E sobretudo, pela qualidade e pela repercussão à época e ainda hoje, registe-se a estreia “escandalosa" de “O Lodo” de Alfredo Cortez em 1923 e de “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão, em 1927.
Ora, no mesmo registo se desenvolveu a carreira de Aura Abranches, com maior internacionalização de repertório, agora mais recetivo a autores e peças de outras origens. Mas evoquemos, no que se refere ao teatro de autores portugueses, além de alguns já citados – Schwalbach, Ramada, Cortez – Júlio Dantas, Chagas Roquete e autores estrangeiros de grande modernidade e ainda hoje de grande qualidade – por exemplo Alexandre Casona, Luigi Pirandello, Arthur Miller, este com “As Bruxas de Salem” que fez época no D. Maria II.
Mas importa ainda referir a intervenção de Adelina e Aura Abranches numa iniciativa aliás gorada mas notável no sentido da modernização. Tratou-se do chamado “Teatro da Natureza”, que em 1911 reuniu, no Jardim da Estrela, por iniciativa do cenógrafo e futuro professor do Conservatório e diretor do D. Maria II Augusto Pina, um grupo de artistas apostados ma atualização do repertório clássico, enquadrando-o numa versão moderna. Estrearam então a “Oréstia ” de Ésquilo, com um elenco notável: Adelina e Aura Abranches, Alexandre de Azevedo, Barbara Wolkar…
Mas o espetáculo durou três dias!
(cfr. Luis Francisco Rebello “Dicionário do Teatro Português” Prelo ed pags. 72-74.e “O Teatro Simbolista e Modernista” ed. ICP 1979 pag. 86; Duarte Ivo Cruz “História DO Teatro Português” ed. Verbo 2001 pag.240; Gloria Bastos e Ana Isabel E. Teixeira de Vasconcelos “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira Republica” ed. MNT 2004 pag.146).
DUARTE IVO CRUZ