ATORES, ENCENADORES (XXXIV)
O INÍCIO DO EXPERIMENTALISMO TEATRAL
Evocamos hoje dois movimentos que marcaram, no início do século XX, a renovação e atualização, em termos da expressão teatral-experimental, o teatro português, no plano integral - o único verdadeiramente significativo – do texto, do espetáculo, da cena e da dramaturgia: movimentos “experimentais”, diríamos hoje, na altura efémeros, mas que modernizaram, insiste-se, o teatro português, e iniciaram uma linha de renovação, em companhias profissionais ao longo do século passado e de que hoje temos exemplos mais modernos, marcantes em plena atividade – o Teatro Experimental do Porto ou o Teatro Experimental de Cascais, por exemplo.
Esta linha de renovação surge, repita-se, com o início do século XX, designadamente em duas iniciativas, então efémeras, que marcaram profundamente a cultura teatral da época. Trata-se concretamente do Teatro Livre, de 1904, e do Teatro Moderno, de 1905, há exatos 110 anos, o que é também de assinalar.
E ambos se devem a um ator muito marcante na época, Luciano de Castro, desde 1892 ligado a peças e espetáculos que, na altura, constituíram também fator de renovação e modernização da dramaturgia portuguesa, com autores então em plena atividade e modernidade: por exemplo D. João da Câmara ou Marcelino Mesquita, Afonso Gaio, Bento Mântua e sobretudo o jovem Ramada Curto, com a peça inicial da sua vastíssima dramaturgia, “O Estigma”, estreada em 1905, tinha o autor 19 anos!
Na época ator muito apreciado, Luciano de Castro mereceu encómios do seu contemporâneo Sousa Bastos: “belo elemento para o drama, muito distinto na comédia, e até na revista, tirando partido da simplicidade e naturalidade com que representa”… (in Diccionário do Teatro Português - 1908; idem - fotografia do ator Luciano de Castro).
Ora bem: hoje, alguns daqueles dramaturgos são expressões “históricas” do teatro português, mas na altura eram expressões de modernidade – e hoje como na altura são expressões de indiscutível qualidade.
E aí, destaco Manuel Laranjeira, autor só lembrado por “especialistas” na história da dramaturgia portuguesa mas que, na época, marcou e percorreu as grandes linhas de renovação e atualização. A existência malograda deste dramaturgo, que pôs termo à vida em 1912 com 35 anos, reflete-se nas duas peças que chegaram até nós, “…Amanhã” e “Às Feras”, cenas de sentido social e temática ligada a problemas socio-económicos então extremamente sensíveis.
Para lá da produção dos espetáculos, o Teatro Livre e o Teatro Moderno marcaram ainda o meio teatral com uma teorização avançada para a época. Glória Bastos e Ana Isabel Teixeira de Vasconcelos recordam as grandes linhas do manifesto do Teatro Livre, claramente modernizante, do movimento, que se propunha “trazer um sopro de vida à dramaturgia portuguesa” e “redimir pela Arte e vencer pela Educação”: notável programa, se considerarmos o que era o teatro profissional e o público habitual no início do século XX. (in “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República” ed. Museu Nacional do Teatro - 2004).
E é ainda de assinalar que diversos destes espetáculos foram dirigidos por António Pinheiro, notável ator/encenador da época, que haveremos aqui também de evocar.
Como havemos de evocar outro movimento teatral da época, também claramente renovador mas efémero – o Teatro da Natureza que, no verão de 1910, sob a direção do ator-encenador Augusto Pina, atuou no Jardim da Estrela.
Mas esses temas ficam para próximas crónicas.
DUARTE IVO CRUZ