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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

FOLHEANDO REVISTAS ANTIGAS DE QUADRADINHOS (IV)…
16 de julho de 2019

 

Falámos talvez pouco de Hergé (1907-1983). Ele é o herói. A revista que hoje vos trago é de 1966. O fenómeno de sucesso ocorre essencialmente depois dos anos quarenta e cinquenta, graças aos continuados do journal Tintin e à nova apresentação das aventuras do jovem repórter em álbuns muito cuidados quer no tocante à qualidade do argumento, das ilustrações e do colorido. Hergé teve a intuição e a sabedoria, o talento e a arte, de compreender que era necessário criar um estúdio profissional servido de uma equipa de elevadíssima qualidade. Já referimos o papel desempenhado por E. P. Jacobs e por Jacques Martin, entre outros, o que permite verificar não haver comparação entre as versões originais do “Petit Vingtième” e os álbuns coloridos, que irão conhecendo aperfeiçoamentos. Mas para que tudo isso fosse possível é preciso voltar a citar Raymond Leblanc (1915-2008), o editor de visão larga que acreditou em Hergé e construiu uma máquina de grande eficácia que lançou o herói da BD… A chegada à Lua de Tintin é reconhecida hoje como dos exercícios mais rigorosos de ficção científica, uma pérola de antecipação… De Gaulle afirmou que só tinha um concorrente internacional, que se chamava Tintin. A literatura francesa e mundial incorporam a figura de Tintin. François Mauriac lamentou, porém, os gostos da geração Tintin, mas enganou-se redondamente, uma vez que não só líamos Tintin, mas também nos preparávamos para ler Thérèse Desqueyroux… O tema da imagem entrava na ordem do dia – no cinema, na fotografia, na banda desenhada – e não largava a importância da narrativa… E Edgar Morin disse em 1958: “Tintin sauvegarde la liberté illimitée du rêve de l’enfance, mais en orientant vers les rêves déjà socialisés du cinéma d’aventure pour adolescents et adultes (…) dans les rapports imaginaires de Tintin, le petit super-boy est roi »…  Mas havia mais : Blake e Mortimer eram a melhor introdução aos melhores policiais. Alix Graccus na companhia do jovem egípcio Enak levava-nos para os clássicos da República Romana. Albert Weinberg (1922-2011) fazia-nos entrar no mundo da aviação de vanguarda com Dan Cooper, antecâmara da ficção científica, Jean Graton levava-nos para o automobilismo, e a lista é muito longa: Modeste e Pompon (Franquin), Oumpah-Pah (Uderzo e Goscinny), Corentin (Cuvelier), Bob e Bobette (Vandersteen), Chick Bill (Tibet), Pom e Teddy (Craenhals), Jari (R. Reding), Ric Hochet (Tibet e Duchâteau), Guy Lefranc (com a marca indelével de J. Martin), Le Chevalier Blanc (L. e F. Funcken), Spaghetti (Dino Attanasio), Clifton (Macherot), Taka Takata (Jo-el Azara), Bernard Prince (Hermann), Bruno Brazil W. Vance), Cubitus (Dupa), Olivier Rameau (Dany), Luc Orient (Eddy Paape)… Mas nesta imensa lista, não podemos esquecer Greg o argumentista inesgotável, a aparecer em toda a parte, com uma prodigiosa imaginação.

 

Eis o ponto onde ficamos. Mas não esquecemos os nossos grandes como Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005), Fernando Bento (1910.1996), Vítor Péon (1923-1991), José Garcês (1928) ou José Ruy (1930)…, mas esses contos serão outros aos quais regressaremos…

 

Para terminar hoje, cito um belo poema do meu Amigo Ruy Belo – «Portugal Futuro»…

 

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]'

 

Agostinho de Morais