CADA ROCA COM SEU FUSO…
A. P. Duchâteau (1925-2020)
O pai de Ric Hochet e do inspetor Bourdon morreu. André-Paul Duchâteau, autor consagrado da Escola belga da Linha Clara da BD deixou-nos na passada semana, contava 95 anos. O experimentado autor celebrizou-se pela criação com o desenhador Tibet de Ric Hochet, personagem mítica para várias gerações de leitores das histórias de quadradinhos. A. P. Duchâteau há muito que estava ligado às edições du Lombard. Sendo natural de Tournai, nasceu a 8 de Maio de 1925, tendo a paixão pelo romance policial nascido da leitura de "Six Hommes morts", de Stanislas-André Steeman e sobretudo depois do contacto pessoal que com ele estabeleceu. Com apenas 15 anos de idade, publicou o primeiro romance policial, "Meurtre pour meurtre", numa coleção dirigida pelo próprio Steeman. Em 1947, escreveu os primeiros argumentos para Banda Desenhada, na revista "Bravo!", entre narrativas originais e adaptações de obras de Walter Scott e Paul Féval. Nessa altura que travou conhecimento com Tibet, pseudónimo de Gilbert Gascard, (1931-2010), autor de Chick Bill e elemento muito relevante na redação de “Tintin”.
A ilustração que hoje publicamos é de sua autoria, possuindo um traço da rara qualidade. Hergé reconheceu cedo essa qualidade, fazendo-o, porém, desistir de desenhar figuras de animais para uma faixa etária infantil. Em 1951, Duchâteau e Tibet assinam as primeiras criações em parceria na "Ons Volske" e depois na revista "Tintin", graças ao apoio de Raymond Leblanc e do próprio Hergé. Em 1955, nasce Ric Hochet, futuro jornalista e detetive, que começou por ser um jovem ardina. Em Portugal, foi o nº 183, de 2 de Julho de 1955 do “Cavaleiro Andante” que primeiro publicou essa aventura de Ric Hochet, como adolescente português, chamado João Nuno. Os dois autores assinarão quase oito dezenas de álbuns de um herói, que revelará uma popularidade significativamente longeva.. Meses depois, em fevereiro de 1956, Ric Hochet, já com um aspeto diferente, mais velho, como os mais célebres detetives, reaparece numa história curta, promovido a repórter do periódico La Rafale, onde soma proezas detectivescas aos eventos jornalísticos. É a redação parisiense que apresentamos com toda a sua vitalidade. O sucesso não pararia e A. P. Duchâteau tornar-se-ia um dos pilares da revista “Tintin", chegando a chefe de redação e diretor artístico. Em 1961, o “Álbum do Cavaleiro Andante” publicaria a primeira longa metragem de Ric Hochet “Camaleão, Perigo de Morte”.
Autor exigente, prolífero e erudito, com um grande conhecimento dos clássicos, Duchâteau abordou os mais diversos géneros, da aventura ao humor, do western ao fantástico, mas sempre com a ficção policial como principal referência. Com uma invulgar capacidade de escrita, era um caso especial de popularidade, deixando um imenso legado de centenas de novelas, romances, folhetins e álbuns de BD. Apesar de estar ligado essencialmente à personagem de Ric Hochet, escreve argumentos para Mittéï (3A), Aidans (Bob Binn), Parras (Comissaire Marin) e Eddy Paape (Les Jeux de Toah). Com Christian Denayer, produz a série Yalek, Alain Chevalier e Les Casseurs (Al & Brock). Na década de 1970, sucede a Jean Van Hamme como o argumentista de Mr. Magellan (desenhos de Géri), escreve para Paape (Luc Orient e Yorik das Tempestades), Cosey (Monfreid et Tilbury), MiTacq (Derval Stany), Follet (Valhardi) e Pleyers (Tiger Joe). Na década de 1980, lança novas séries com Grzegorz Rosinski (a saga de ficção científica Hans), Patrice Sanahujas (Serge Morand e Chancellor), Vance (Bruce J. Hawker) e Xavier Musquera (Peggy Press). No final dos anos 1980, torna-se editor literário de du Lombard. Em 1989, é responsável pela coleção Detetives BD da editora Lefrancq, onde escreve várias adaptações para BD de romances policiais. Na década de 1990, continua a fazer adaptações para BD de escritores como Mik Fondal (Les Galapiats de la Rue Haute com Didier Desmit ) e John Flanders (Edmund Bell com Raoul Giordan). Inicia novas séries, como Wilt, com Yves Urbain, Detective Carol com Eddy Paape e Les Romantiques com Eric Lenaerts (2001 a 2003). Foi distinguido com inúmeros prémios durante a sua vida, prezando de forma especial o Grande Prémio de Literatura Policial que, em 1974 galardoou o seu romance "De 5 à 7 avec la morte", tendo sido durante muitos anos, em “Tintin” um imbatível campeão de popularidade, classificando-se sempre em primeiro lugar nos inquéritos realizados às preferências dos leitores.
Também em Portugal, o sucesso de Ric Hochet foi grande. Se o “Cavaleiro Andante” lhe chamou João Nuno, o “Zorro” preferiu o nome de Mário João e do inspetor Navarro, mas o “Falcão” não teve problema em usar o nome original de Ric Hochet e do seu inseparável companheiro Inspetor Bourdon. O “Foguetão” e o “Falcão” usaram os enigmas policiais engendrados por Duchâteau – tendo cabido a Artur Varatojo a coordenação dos enigmas policiais na equipa de Adolfo Simões Müller. Raimundo Esteves era o nome do Comissário desses enigmas do “Foguetão” e as ilustrações de Tibet eram muito expressivas e ajudavam muito. Havia, no fundo, que motivar os leitores para poderem responder sobre quem era o criminoso… Havia sempre um indício acusador – ou era um lenço, ou um monograma, afinal, um pequeno erro cometido pelo acusado… A sombra de Ric Hochet significava mistério e procura da verdade e da justiça – eis o fundo pedagógico que A. P. Duchâteau e Tibet sempre prosseguiram. Não me canso de voltar a essa dupla extraordinária… Prometo que a minha próxima crónica será integralmente um enigma de Ric Hochet…
Agostinho de Morais