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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

LODO NO CAIS…

Quando  demos a notícia da morte de A. P. Duchâteau, dissemos que publicaríamos um dos seus problemas policiais, adaptado por Adolfo Simões Müller, ilustrado por Tibet, e dado à estampa no “Foguetão” número 4 (25 de Maio de 1961). De facto, o relato era de Ric Hochet, ainda que nessa altura agisse anonimamente. O Comissário Esteves era, nem mais nem menos que o inspector Boudon. O prometido é devido e eis um enigma surpresa. Pedimos aos nossos leitores que nos digam a solução até ao final de amanhã, segunda feira – e reservaremos uma pequena surpresa para quem acertar…

 

“Naquela terça-feira 20 de outubro, um inquérito tinha-nos conduzido, ao Comissário Esteves e a mim, a um pequeno porto de pesca na região do Douro. Um inquérito sem história que terminara com a prisão do larápio que perseguíamos. Eram então nove horas da noite, muito tarde para regressarmos ao Porto. E assim decidimos passar a noite no hotel da terra. Depois do jantar, tínhamos passeado à beira-mar, entrando de vez em quando nas tabernas das ruelas vizinhas, pelo prazer de bebermos uma caneca de vinho verde, ao mesmo tempo que apreciávamos o ambiente local. Seria meia-noite quando nos encontrámos no “Cantinho dos Pescadores”. E de repente, um grito rouco ressoou lá fora, um verdadeiro grito de agonia. Corremos para a rua e aí descobrimos na semiobscuridade duas sombras enlaçadas que gesticulavam. Uma faca subiu e desceu… Ouviu-se um novo grito, desta vez abafado. Uma das sombras tombou no solo, enquanto a outra fugia em direção à enseada onde os barcos de pesca estavam ancorados. Vendo que o Comissário Esteves corria para socorrer o ferido, lancei-me na perseguição do fugitivo. Mas, uma vez no cais, perdi-o de vista. Decerto tinha-se escondido por trás dos caixotes vazios… Avancei com prudência. Um silvo… e mal tive tempo de me atirar ao chão. Uma faca foi cravar-se na madeira apodrecida de um dos caixotes… Depois, vi o homem que partia de novo, correndo. Para lhe estender uma armadilha, conservei-me imóvel, como se estivesse ferido. E vi-o saltar para o convés de um barco encostado ao cais. Entrou na cabina e desapareceu… Momentos depois, eu próprio estava a bordo do barco e batia à porta da cabina. Apareceu-me um marinheiro de camisola de lã – exatamente como o homem que eu perseguia.

- Que quer? – perguntou.

Sem responder, empurrei-o. Dentro da cabina, sentado a uma mesa, outro marinheiro da mesma corpulência, vestindo uma camisola idêntica escrevia a lápis uma carta.

- Mas fale! – exclamou o homem que abrira a porta – Que quer?

- Estão só os dois a bordo?

- Sim, senhor. Eu sou José Sardinha e aquele (apontou o homem que escrevia) o meu irmão Raul. Que quer o senhor?

- Um de vocês agrediu um homem há pouco…

- Impossível – replicou Raul, largando a carta – Nem eu nem o meu irmão saímos daqui.

- Em que empregaram o tempo esta noite?

-  Eu tenho estado a escrever à rapariga.

Debrucei-me sobre a carta, que dizia assim: “ X – 21 de outubro – Querida Teresa. Espero que ao receberes esta, te encontres bem. Eu, Zé e o barco estamos ótimos. Fico muito contente por me dizeres que em breve nos veremos, tomara esse dia…”.

Havia mais algumas frases no mesmo estilo, mas a carta estava por acabar.

- A que horas começou a escrever?

- Eram onze e quarenta e cinco.

- E você o que fez ? – perguntei a José Sardinha.

O homem apontou-me algumas cartas de jogar sobre a mesa.

- Estava a fazer paciências?

- Parece que sim… - resmungou ele.

- Bom! Agora já sei quem foi que deu as facadas.

Caro Leitor, um dos dois irmãos mentiu de forma flagrante para assegurar o seu álibi.

Foi o José? Foi o Raul? Respondam por favor…

 

Agostinho de Morais

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