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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

OS CEM ANOS DE UM AMIGO…


Hercule Poirot é um velho amigo que agora celebra cem anos. Encontramo-nos amiúde. Chegou a Portugal em 1950 pela mão da Editora Civilização. Nasceu, graças a Agatha Christie (1890-1976) em 1920, no livro The Mysterious Affair at Styles. «Certa manhã, em Styles Court, no Essex, numa mansão rural, os seus habitantes despertam com a descoberta de que a proprietária, a Emily Inglethorp, morreu. Foi envenenada com estricnina. Arthur Hastings, um militar da frente ocidental da Primeira Grande Guerra está em convalescença e aventura-se até St. Mary, aldeia vizinha de Styles, para perguntar ao seu amigo Poirot como se pode saber sobre o que realmente se passou.  Hercule Poirot descobre que Emily era uma mulher rica – que herdou do seu anterior marido, Mr. Cavendish a mansão onde vivia e uma grande parte de sua renda. Sua família inclui: o último marido Alfred Inglethorp, um homem mais novo com quem se casou recentemente e os enteados, filhos do primeiro marido John e Lawrence Cavendish… A partir daqui segue uma trama complexa, que Poirot vai desvendar. De nacionalidade belga, Poirot é uma personagem extravagante, nada modesto, que está sempre a gabar-se sobre a forma como usa as suas preciosas células cinzentas. “O procedimento de Hercule Poirot é muito próprio: ordem e método e um pouco de células cinzentas…”  Possui um belo bigode que é o que melhor o identifica, e tem sempre uma aparência elegante e impecável. O seu nome é deliberadamente absurdo, pois Hercule relembra o herói clássico, dos doze trabalhos, apesar de ser um homem pequeno. O sobrenome Poirot tem origem em poireau , que em francês significa alho-porro ou verruga. Singularidades? Tem a altura de um metro e sessenta e dois; a cabeça, do formato de um ovo, ligeiramente inclinada para um lado; olhos de um verde brilhante quando excitado; espesso bigode hirsuto como costumam usar os oficiais do Exército; uma pose de grande dignidade; e uma bela bengala."  Apesar de sofisticado, chega em certos momentos, a ser rabugento. Mas essa alteração de humor constitui um modo de melhor se aperceber das reações dos interlocutores e dos suspeitos. Costuma insistir ao seu amigo Hastings que: "o crime de sonho deve ser realizado com ordem e método" (sempre a mesma ideia) e acredita que "se houvesse um criminoso perfeito, seria impossível, incluindo o próprio Hercule Poirot, descobrir o verdadeiro culpado". Qualquer assassino pode ser provavelmente um bom amigo, por isso não devemos misturar sentimento e razão. Ao contrário dos outros grandes detetives da Scotland Yard, Poirot diz que pode resolver um crime estando "apenas sentado na sua poltrona". E compara os seus colegas corriqueiros e comuns a verdadeiros "cães de caça", uma vez que apenas usam as pequenas pistas no chão, as pegadas e as impressões digitais; enquanto Poirot usa, como único meio verosímil, a psicologia humana. Não é um detetive de ação, mas fundamentalmente dedutivo. Para resolver seus enigmas prefere interrogar os envolvidos. Todavia, muitas vezes, precisa de fazer investigações, digamos, de polícia criminal, a pedido de Hastings ou por extrema necessidade. Poirot fala sempre dele próprio na terceira pessoa do singular, e afirma que a mente humana não tem originalidade, pois quando um criminoso comete um crime, o seu método psicológico é sempre o mesmo. Por isso cultiva a tarefa de "conhecer a natureza humana". Vive na Farraway Street, 14, em Florin Court, nas Whitehaven Mansions. Para evitar a sobrevivência da personagem depois de sua morte, Agatha Christie decidiu matar Poirot num romance escrito em inícios da década de 40, em plena Guerra, que, segundo ordens expressas suas, só deveria ser publicado quando a autora considerasse chegado o seu fim. Por essa razão, Curtain, Cai o pano somente foi lançado em 1975. A ação começa com Poirot doente e sua morte fecha a trama. Havia que fechar o círculo em glória. Afinal, como afirma em A Morte no Nilo, não é o passado que importa, mas o futuro. E ainda gostava de dizer, com enorme sabedoria: “Se quiser dar a Poirot um pequeno conselho sábio: deve insistir que a vingança raramente é uma boa ideia”…  Apesar da preocupação de Agatha Christie, Sophie Hannah, fez um livro, Os Crimes do Monograma, em 2014, com a autorização da família de Agatha Christie, em torno da fascinante personalidade do pequeno Hercule, publicando em 2016 um segundo livro Closed Casket com Poirot. Mas nada pode comparar-se ao verdadeiro. E não será que Christie, não seria a mesma sem a fantástica inteligência e versatilidade de Hercule Poirot, que só não é o mais célebre dos belgas, porque ombreia com o universo de Tintin… Querido Hercule, sei bem que concordas comigo. Numa invocação do teu espírito numa animada sessão com mesa de pé de galo, tu me confessaste que passas o teu tempo a ler entre a Comédia de Dante e as aventuras de Tintin… Mas oiçamos ainda Agatha Mary Clarissa Miller Christie: «Por que não seria belga o meu detetive? Deixei que crescesse como personagem. Deveria ter sido inspetor, de modo a poder ter certos conhecimentos sobre crimes. Seria meticuloso, ordenado, pensei com meus botões, enquanto arrumava meu quarto. Um homenzinho bem ordeiro. Parecia-me até que o via, um homem muito alinhado, sempre cuidando de colocar tudo no devido lugar, amante dos objetos aos pares, das coisas quadradas, e não redondas. . E seria muito inteligente — teria muitas células cinzentas —, essa era uma boa frase, devia recordá-la: ele possuiria não poucas células de matéria cinzenta. Seu nome seria espetacular — um desses nomes como existiam na família de Sherlock Holmes. Como era mesmo o nome do irmão dele? Mycroft Holmes! E se chamasse ao meu homenzinho Hercules? Ele seria um homem baixo — Hercules seria mesmo um bom nome. Seu sobrenome era mais difícil. Não sei por que me decidi por Poirot. Se fui eu própria quem o inventou, ou se o vi em algum jornal, ou escrito em algum lugar, não sei — mas assentei que seria esse o nome. Combinava bem, não com Hercules, com s, mas sim com Hercule — Hercule Poirot. Estava certo, assente, graças a Deus»…

 

Agostinho de Morais