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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CARTAS NOVAS À PRINCESA DE MIM

 

Minha Princesa de mim:


   Muitas das pessoas a quem facultaste a leitura da minha última carta, me telefonaram ou escreveram para me dizer que achavam lindo o texto, mas muito triste...


   Quanto à lindeza, sempre disse que os gostos não se discutem. E, no tocante à tristeza, tampouco irei discuti-la, mas nele não pus, nem depois senti, tristeza alguma. Antes, pelo contrário, nele tenho respirado uma muito íntima e profunda alegria, como se me tomasse um canto de amor...


   Afinal, subjacente às histórias ali contadas ou tão somente sugeridas e deixadas à adivinha, está sempre uma presença amorosa, fiel, ora comovida ora saudosa, sustentada pela sua própria fortaleza, na perseverança do seu ser, que a projeta como tal, na vida e na morte, na eternidade ou no tempo, na materialidade ou imaterialidade do espaço, em quaisquer circunstâncias, reais ou simplesmente imaginárias. 


   Já não importa qualquer lembrança nem a falta dela, a memória do amor não pode ser efémera porque nenhum amor é efeméride, o amor é ontologicamente busca de nós em encontro, nunca, nunca jamais em solidão. Ninguém se imagina em amor sozinho.


   Reparei, sem surpresa, aliás, em dito colhido na entrevista a uma jovem socióloga norte americana que, singelamente, afirmava que um dos riscos dos tempos que correm é a ausência de vocações. Não estava a fazer campanha clerical de arregimentação de "vidas consagradas", apenas falava de "callings" (chamadas) e de respostas a desafios autênticos da vida. Falava de amor ou, melhor, do amor num mundo que, por tão ensurdecedor, vai ficando surdo. Cada vez escutamos menos, ou ouvimos pior, os apelos que também nos são dirigidos. E todavia talvez a disponibilidade para os ouvir - e a diligência de os escutar - nos pudesse mudar os apertados horizontes do mundo em que vivemos.


   Para além das românticas fantasias que, quais mantos diáfanos, envolvem as suas apresentações "mediáticas", o amor é essencialmente, a perseverança de um cuidado atento numa peregrinação partilhada. Transpõe momentos de cansaço e irritação, ultrapassa tentações de desistência ou renúncia, atura fielmente os outros e assim também nos ensina a aturar-nos a nós mesmos... Sobretudo, vai-nos pedagogicamente demonstrando como a paciência e a persistência necessariamente decorrem da nossa condição de imperfeitos. As virtudes todas, a nossa própria fortaleza, cultivam-se na imperfeição constitutiva da nossa condição humana. Tampouco os falhanços são derrotas, mas antes apelos e incitamentos a que nos superemos.


   A experiência de situações-limite como a de quotidianamente convivermos com entes queridos que presencialmente vemos esfumarem-se, mais do que perplexidade, causa-nos sofrimento e dor. E, todavia, a perseverança do nosso compromisso com aquela vida - para além dos momentos de cansaço e, quiçá, irritação - paulatinamente, e em luminoso segredo, vai construindo uma bola que, não de neve, mas de ternura mansa, nos encherá de serena alegria.


   Apesar de contraditório - ou talvez por isso mesmo - o ser humano é um percurso de surpresas.

 

Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira