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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CARTAS NOVAS À PRINCESA DE MIM

 

Minha Princesa de mim:

 

   A mais edificante e importante personagem para a compreensão da Rússia não é Putin, mas sim aqueles que o levaram ao poder e hoje permitem que por lá fique, através da acumulação, dia após dia, das suas (deles) opções individuais... Assim sumariza - e bem - o Guardian a tese de Yoshua Yaffa no seu novo livro Between Two Fires: Truth, Ambition and Compromise in Putin´s Russia (Tim Duggan Books, 2020). O próprio título da obra é elucidativo do respetivo conteúdo: na verdade, vale apena ler o que me parece sobretudo ser uma ilustração exemplar da questão do conflito entre a verdade e a ambição, quando se procura chegar a um compromisso que se encara como mal menor ou condição necessária à concretização de um ideal. Afinal, quanto da nossa verdade pode ou deve ser sacrificada a uma qualquer solução menos má de acudimento a situações iníquas de desequilíbrio, perseguição ou injustiça flagrante? Iremos conversar sobre isso, Princesa de mim, em correspondência próxima?

 

   Se assim acontecer, teremos certamente de abordar a problemática do compromisso através de perspetivas diversas, estou até tentado a dizer-te que não escaparemos a uma reflexão acerca das mutações hodiernas do poder político, suas instituições e funcionamento. São variáveis, pelas diferenças entre as respetivas circunstâncias, desde as históricas à socioeconómicas e culturais presentes, ao ponto de, por vezes, chegarmos a questionar a sua própria contemporaneidade. Já reparaste, por exemplo, como é para nós estranho o propósito do presidente russo, ex-agente e dirigente do KGB, de inscrever o nome de Deus na Constituição da Federação Russa?

 

   Entre nós, os regimes políticos debatem-se hoje com o dilema da democracia direta ameaçar substituir-se à representativa. Os atuais populismos, incluindo o trumpista, insistem numa democracia real, que logo começa por perturbar as mediações tradicionais, sejam estas institutos políticos ou, simplesmente, os meios de comunicação social mais usados, aos quais se preferem cada vez mais as chamadas redes sociais...

 

   Tal "revolução numérica" é cada vez mais aplaudida e fidelizada. Terminando esta carta breve - a lançar temas - deixo-te uma citação de Steve Bannon, o "guru" católico de Donald Trump, que, apesar de Harvard e Goldman Sachs, permaneceu intimamente fiel à sua tradição familiar de "blue collar":

 

   A democracia nunca foi tão sólida, mas os média puseram-se a dizer que ela corria perigo, assim que as elites começaram a perder eleições. Só porque levaram um pontapé no rabo, começaram a declarar que a democracia cairia diante de tão grande perigo...

 

Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira