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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CARTAS NOVAS À PRINCESA DE MIM

 

  Minha Princesa de mim:

 

   Há semanas que não te escrevo. Além de distraído por outras cismas, tenho sofrido repetidas cargas das minhas maleitas álgicas, perco sono e fico prostrado pelo cansaço. Vale-me o amparo de alguma música, desta feita - e curiosamente - a de compositores da última década do século XIX e primeiras do XX, de Debussy e Satie a Ravel e Stravinsky, sem esquecer a escola de Viena... E vou navegando por mares poéticos, por Paul Claudel e os japoneses, e ainda - talvez sobretudo - pelo imenso e forte oceano do nosso frei José Augusto Mourão, cuja poesia é, ela própria, uma liturgia da Palavra que o sopro do Espírito vai enfunando em nós. Tornando-nos sempre bem presente a saudade vital que é o fado da nossa humana condição. Citando um dos títulos da obra de frei José Augusto, afirmo que a sua poesia é Dizer Deus ao (des)abrigo do nome.

 

   Topamos  por aí com "poetas" medíocres, carreiristas de encómios, que vão encobrindo a indigência dos seus escritos e discursos com citações frequentemente deslocadas do seu sentido próprio, para apenas decorarem a moldura do retrato em que se miram ao espelho do charco sobre que se debruçam com alguma "flor de cultura". Talvez distraídos daqueles versos  de J. A. Mourão, insertos no seu protestatio et confessio:

 

          à banalização do mal eu digo não
          à tecnologia das próteses e ao mercado
          que conforta em nós Narciso, digo não

 

   Afinal, o Poeta mesmo, aquele que vive como dom, como promessa e espera, a liturgia essencial da Palavra sabe as horas  pelos relógios da fé: 

    

          A nós que agora vemos em espelho
          aguardando o face a face do teu Dia
          que o fogo do mal não nos devore os olhos
          nem a ira queime a compaixão que falta
          mas que a tua paz nos mostre o possível do mundo
          o amanhecer da graça e da beleza

 

          que não recuemos diante da tua sombra
          nem nos contem as horas os relógios da fé

 

          dá a vigilância e o fervor à nossa vida
          a atenção ao escondido da esperança
          e a resistência às tentações da transparência
          para o instante e o agora do mundo

 

   Encontrei neste poema uma oração para todos os humanos em todos os dias deste tempo difícil e tão incerto. Bem hajas, frei José Augusto Mourão!

 

Camilo Martins de Oliveira

 

Obs: Reposição de texto publicado em 21.06.2020 neste blogue.