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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CECÍLIA MEIRELES COM O GRUPO FERNANDO PESSOA

 

Retoma-se a fotografia do Grupo Fernando Pessoa no Brasil: e lá está, na última fila, Cecília Meireles (1901-1964). É uma das figuras poéticas e literárias brasileiras mais próximas da cultura portuguesa, de forma devidamente assumida e retribuída. Vitorino Nemésio, na cadeira de História da Literatura Brasileira da Faculdade de Letras de Lisboa, não se cansava de o afirmar.

A avó portuguesa com quem Cecília viveu a infância terá uma óbvia influência. O cosmopolitismo da sua vida e obra, tanto em prosa como sobretudo em poesia, as viagens que efetuou por todo o mundo, a visita a Goa, por exemplo, mas também a consagração que lhe foi prestada pelo governo de Nova Deli, conciliaram-se plenamente com esse sentido de uma ligação à cultura portuguesa e á realidade histórica, vista aliás, obviamente, na perspetiva brasileira - e não poderia ser de outra forma…

De tal modo que os “Poemas Escritos na Índia” (1961) refletem uma longa viagem a convite do governo indiano, ainda nos anos 50, na sequência de uma “Elegia sobre a Morte de Gandhi”. Mas de uma forma ou de outra, as evocações de Goa conferem um universalismo que retoma, como aliás em toda a poesia de Cecília, a sua ligação profunda a Portugal, “onde viu reconhecido o seu mérito antes mesmo de consagrar-se no Brasil”, escreve Alfredo Bosi, professor da Universidade de São Paulo na  “História Concisa da Literatura Brasileira”.

Curiosamente o poema “Viagem” (1939) é datado de Lisboa. Em prosa, além de outras referências, publica em 1958 o “Panorama Folclórico dos Açores especialmente da Ilha de São Miguel”. E de tema histórico luso-brasileiro é obviamente o poderosíssimo “Romanceiro da Inconfidência” (1953), que Luciana Stegagno Picchio, especialista da literatura portuguesa e designadamente do teatro (“História do Teatro Português” - 1964) na relevante “História da Literatura Brasileira”, «remete para a “técnica” do romance popular ibérico», numa transposição epocal que indicia um criticismo socioeconómico da época e claramente contemporâneo:

“Ó grandes oportunistas,/ sobre o papel debruçados,/ que calculais mundo e vida/ em contos, doblas, cruzados,/que traçais vastas rubricas/e sinais entrelaçados/ com altas penas esguias/ embebidos em pecados!”

Tem razão Luciana quando afirma que Cecília é “o último grande nome do segundo Modernismo (…) com certeza ao lado das portuguesas Florbela Espanca e Sophia de Melo Breyner Andersen”.

Note-se o contraste com estes belíssimos poemas infantis, recolhidos em edição póstuma pelo Ministério da Educação e Cultura do Brasil:

 “A flor com que a menina sonha/ está no sonho/ ou na fronha. /Sonho risonho/ O vento sozinho no seu carrinho/ De que tamanho/ seria o rebanho/”…

“Sonho risonho/ na fronha de linho./ Na fronha de linho/a flor sem espinho./ Apanho a lenha/ para o vizinho./ E encontro o ninho/ de passarinho”…

Este poema, publicado numa Antologia da Poesia Brasileira, intitulado “Mar Absoluto”:

“Foi desde sempre o mar./ E multidões passadas me empurravam/como a barco esquecido./ Agora recordo que falavam/ da revolta dos ventos,/ de linhos, de cordas, de ferros,/ de sereias dadas á costa./ E o rosto de meus avós estava caído/ pelos mares do oriente, com seus corais e pérolas,/ e pelos mares do norte, duros de gelo”.    
Ou esta expressão de um modernismo que marcou também, e de que maneira, a poesia de Cecília Meireles:
“Não te importes que escutes cair/ no zinco desta humilde caixa,/ teu crânio, tuas vértebras,/ teus ossos todos, um por um…/ Pés que caminhavam comigo/ mãos que me iam levando,/ peito do antigo sono/, cabeça do olhar e do sorriso…”

 

DUARTE IVO CRUZ