CINQUENTENÁRIO DA MORTE DE ALMADA NEGREIROS (II)
Começo com uma nota pessoal.
Este artigo assume-se a vivência direta e imorredoira da amizade que uniu as famílias de Almada Negreiros e a minha própria família, ao nível de Almada e dos meus pais: o que permitiu um relacionamento direto e constante, que hoje constitui referência existencial e cultural, o que muito me apraz salientar. E importa então referir que muitas e muitas vezes tive o gosto inesquecível de falar com Almada sobre inúmeros assuntos, e em particular, o que neste contexto amplamente se justificará, sobre teatro.
Aliás, recordo, no artigo anterior fiz referências ao teatro de Almada Negreiros, desde logo sublinhando a amizade que, em termos pessoais/familiares, me relacionava com Almada. E essa amizade, que vinha de família, permitiu-me inúmeras vezes, e inesquecíveis vezes, falar com Almada designadamente sobre a sua dramaturgia: e não só, pois Almada, alem de grande amigo de família, era um conversador inesquecível!
Ora, vimos no artigo anterior, os dois grandes temas da dramaturgia de Almada são ”A Tragédia da Unidade” e “1+ 1=1”. E, tal como referimos, entre 1912 e 1965 Almada escreveu 15 peças, das quais chegaram até nós na íntegra 7 e algumas falas de mais uma. Nesse sentido, podemos então citar, como peças completas e assumidas, “Antes de Começar”, “Pierrot de Arlequim”, “Portugal”, “Deseja-se Mulher”, “O Público em Cena”, “Galileu, Leonardo e Eu” e “Aqui Cáucaso”, além de algumas falas de “23, 2º Andar”.
Ora bem: o grande tema deste teatro é, já o dissemos, a paradoxo de “1+1=1”. Mas independentemente do paradoxo da expressão numérica, o que encontramos é a convergência de situações que em si mesmas parecem opostas: daí, o conteúdo paradoxal desta dramaturgia, que confirma em sucessivas falas o paradoxo da expressão: sendo certo que no ponto de vista rigorosamente matemático, 1+1 não é igual a 1...
E precisamente, esse paradoxo surge em situações e intervenções diversas mas coerentes, ao longo desta vasta e interessante dramaturgia: já tivemos aliás ensejo de o escrever e agora retomamos alguns exemplos.
Assim, em “Antes de Começar”: “o que uma pessoa é por fora é igual por dentro”.
A propósito de “Pierrot e Arlequim: “No teatro todos são um”; “toda a arte que passa do particular para o geral faz imediatamente teatro”; “desde o princípio do mundo até hoje não houve mais de duas pessoas: um chama-se a humanidade e a outra o indivíduo. Uma é toda a gente e a outra uma pessoa só”; “Pierrot é a tragédia do homem e o seu Deseja e Arlequim é exatamente essa mesma tragédia”.
Em “Portugal” há uma convergência de posições: “Tu e eu temos a mesma ideia. Ambos queremos a mesma coisa”.
Em “S.O.S.” afirma-se enfaticamente que “Temos de colaborar todos em edificar a obra única por cima de todas as cabeças”, sublinhando convergência de “todos” com “a obra única”.
E em “Protagonistas” o grafismo de “1+1=1” surge como tal em cena e é descrito: “a unidade é igual à personalidade coletiva mais a personalidade de cada indivíduo. Esta é, senhoras e senhores, a tragédia da unidade”...!
E finalmente (por hora!...), cita-se “O Público em Cena” que constitui como uma síntese de todas estas referências e que aqui quero qualificar como filosóficas: “hoje, o público subirá aqui à cena e vós, senhores autores dramáticos, ocupareis hoje aí os vários lugares do público”.
Insista-se: ficamos “por hora” aqui. Mas o teatro de Almada Negreiros justificará sem dúvida mais referências. Pois o teatro, diz, “é a arte de pôr a todos em comunicação nos mesmos sentimentos”!
DUARTE IVO CRUZ