COMO VOLTAR À TONA DE ÁGUA…
A retoma da economia depois da pandemia do covid-19 vai demorar. E vai ocorrer gradualmente, consoante as atividades económicas e os países. A prevenção contra a pandemia vai ter de continuar, até porque vai haver grandes assimetrias na superação da doença. A livre circulação das pessoas será afetada e o tema fundamental vai ser o do combate ao desemprego e o da criação de valor. Começando pelas lições de 2008, importa recusar a ilusão monetária e financeira. O endividamento e o mero aumento da circulação monetária não criam riqueza. Temos de lembrar a regra de ouro das Finanças Públicas – só pode haver dívida pública para financiar despesa de investimento reprodutiva. Não basta lançar dinheiro sobre os problemas. E se aumentam as desigualdades, importa garantir a justiça distributiva – horizontal, com salários e impostos justos que garantam uma partilha de riqueza e a criação de valor; e a vertical, pela equidade intergeracional, reduzindo o endividamento.
Depois da crise, a prioridade terá de estar nas políticas de emprego, orientadas para a satisfação das necessidades fundamentais, o combate ao desperdício, a promoção de poupanças virtuosas e a melhoria da qualidade de vida, para que o desenvolvimento se oriente para as pessoas. Mas o tema do emprego obriga a repensar o tempo de trabalho. A situação atual de confinamento e de teletrabalho, e a política gradual de retoma, ensinam-nos que os horários de trabalho presencial terão de ser repensados. O grave problema demográfico dos países ricos obriga a criar políticas de conciliação familiar com horários flexíveis. As licenças de paternidade para marido e mulher e os horários flexíveis para os pais tem permitido melhorar as taxas de natalidade nos países nórdicos, sem esquecer o cuidado dos mais velhos.
Terão de ser considerados, assim, “bancos de tempo” com flexibilidade, em vez de uma lógica de horários rígidos. Isto, para conciliar as necessidades, a disponibilidade individual e o melhor aproveitamento das capacidades disponíveis. Os “bancos do tempo” permitirão acorrer a uma multiplicidade de tarefas sociais que têm de ser asseguradas por todos. Não devemos esquecer que a inovação vai obrigar à ligação das políticas do Estado, do mercado e das iniciativas privada, social e pública não estatal. Por iniciativa pública não estatal entendemos a das instituições sociais, culturais, académicas e científicas de utilidade pública ou natureza cooperativa. As políticas públicas têm de ser consideradas como catalisadores económicos e sociais. A inovação científica obriga a que a lógica do lucro não impeça a difusão do conhecimento. A criação de valor dependerá da articulação do Estado e da sociedade. A lógica Silicon Valley tem de ser completada com planeamento estratégico global e com redes coordenadas de informação e conhecimento.
Mas não haverá inovação sem aprendizagem. Daí uma atenção necessária à educação e à formação ao longo da vida. Uma parte dos “bancos do tempo” tem de ser ocupada com formação contínua relevante, afinada individualmente. Por outro lado, o ensino profissional terá de articular os níveis secundário e superior, com atenção à cooperação entre Universidades e Politécnicos. Não deve haver becos sem saída, nem canais rígidos e não comunicáveis entre si. Prosseguimento de estudos, vida ativa, mobilidade e cooperação internacional (Erasmus) têm de se articular.
Numa palavra, a prioridade é a promoção de valor e de um desenvolvimento justo e sustentável. O “doce comércio” de Montesquieu tem de se completar pela subsidiariedade. Urge tornar a informação conhecimento, e o conhecimento sabedoria. Para contrariar os egoísmos, temos de favorecer a solidariedade e o cuidado. Com instituições mediadoras, participadas e representativas, atentas a uma justiça complexa e equitativa, que favoreça a coesão e a sustentabilidade, é a democracia das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas que está em causa.
Guilherme d'Oliveira Martins
in Jornal Expresso | 18 de abril de 2020