CONTOS BREVES
«Nell e seu Avô na Floresta» de W. Q. Orchardson.
8. SORRISO
O sorriso da Inês é uma adivinha. Quem diz adivinha, diz manha. Uma esconde sempre a outra, ambas nos intrigam - por este lado ou por aquele, depende de que lado está ou virá a estar a surpresa... - e, se formos lúcidos, nos divertem e animam. O sorriso da Inês é o seu jeito de se chegar a mim. Sem animosidade, desconfiança ou timidez, apenas em desafio. E, só por isso, uma misteriosa alegria me revolve o coração. Gosto entranhadamente desse sorriso que me diz: "Avô, vamos a ver quem ganha hoje?". Por uma neta me fiz luz sobre um cantinho secreto do amor no coração: a confiança que nos interpela, o que outro nos pergunta porque tem fé em nós. Quando compreendemos isso, caímos, sim, na armadilha do amor, sem qualquer mentira possível, nem capricho ou ciúme que nos prenda. Podemos então brincar, desenhar arabescos capciosos e ilegíveis, contar histórias farsantes e rocambolescas, inventar paisagens em mundos ignotos... Diante de nós, tão defronte que até nos vemos ao espelho, está esse sorriso subtil que nos descobre e diz : "Conheço-te tão bem!" Por alturas da confirmação da Inês, disse-lhe eu, disfarçado: "Olha que Deus é um grande manhoso!" - "Como é que o Avô sabe?" - "Olha: sei, porque até consegue que acreditemos nele!" A miúda sorriu-me e disse: "Eu também acredito no Avô! O Avô é manhoso?" - "Eu? Não sei, não sou, sou só adivinho..." - "Adivinha o quê?" - "Sei lá, talvez o mesmo que tu: quando amamos, quando queremos bem, acertamos." O sorriso dela abriu-se e iluminou-lhe os olhos : "Quem adivinha, pergunta sempre, não é Avô?"
Camilo Martins de Oliveira