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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CONTOS BREVES

Capa de Dominique Corbasson.jpg

 

  17. O CARACOL TREPADOR

 

          L´ESCARGOT ALPINISTE

 

          L´escargot à l´escalade

          sac au dos s´est mis en campagne.

          L´escargot à l´escalade

          va digérer la montagne.

 

          ou seja:

 

          De mochila às costas, trepador,

          o caracol se esforça, sem dor,

          só com barriga e manha,

          por engolir a montanha...

 

Assim liberrimamente traduzo um poemeto de Paul Claudel, o último dos Petits Poèmes Japonais, publicado na Revue de Paris, em Novembro de 1936. Faço-o, escutando a sonatina para dois violinos do Arthur Honegger. É certo que o poeta e o compositor  nos deram, juntos, a Jeanne au Bûcher, mas só pela minha cabeça terá passado a associação desta sonatina H. 29 com o caracol alpinista. Aconteceu lembrar-me da trepadeira da música de Honegger, ao deparar com a quadra de Claudel quando percorria a sua obra poética, para ir identificando os vários versos que foi dedicando a Sainte Agnès, padroeira onomástica da minha neta Inês. A curiosidade motora de tal percurso desaguará noutro texto de memórias. Hoje, silenciosa em fim de tarde chuvosa de domingo, ocorre-me, retém-me e sobrepõe-se, outra lembrança, esta já registada em fotografias para a galeria de retratos da nossa família: a do meu neto Sebastião dando o braço, enluvado a preceito, ao Elvis, um mocho bufo quase maior do que ele; e a minha, sorrindo e pedindo beijo a uma águia chamada Virgínia... Momentos de um passeio à Tapada de Mafra, no ambiente tão amigo do Real Club Tauromáquico Português. Olho para retratos simultâneos de neto e avô que sessenta e seis anos cronologicamente separam... Eis como me detenho e quedo neste pensarsentir a família, na sucessão das suas gerações, como um caracol trepador que vai engolindo, mais do que montanhas, o rio indizível do tempo que corre. E, como noutros contos breves já confessei, ao Sebastião devo a atenção especial, quase metafísica, à persistente valentia dos caracóis.

 

Camilo Martins de Oliveira