CONTOS BREVES
18. INÊS DE DEUS
Diz-se que o nome de Inês (Agnes) significa, em língua grega, Pura. Quiçá seja mais pelo simbolismo da virgindade como entrega a Deus, ou sacrifício, isto é, feito sagrado o próprio corpo, até ao martírio. Terá este ocorrido em meados do século III, e os registos cristãos, desde a Depositio Martyrum, de 354, situam-no num 21 de Janeiro, dia em que, hoje ainda, se celebra a festa de Santa Inês. É no século IV que ela surge louvada na literatura cristã, designadamente na exortação De virginibus, que Sto. Ambrósio lhe dedicou, nesse aniversário, em 376. Provavelmente será do mesmo autor o hino Agnes beatae virginis, mas muitos outros doutores da Igreja a referem e louvam em escritos e sermões, incluindo S. Jerónimo e Sto. Agostinho, popularizando-se, aliás, o seu culto pela Itália, África e Palestina. Já no século XIII, Tiago Voragino escreve na sua Legenda Aurea: Inês, virgem muito sage, no testemunho de Ambrósio, que redigiu a sua Paixão, tinha treze anos de idade, quando perdeu a morte e ganhou a vida. Esta expressão traduz bem a conta em que a cristandade, mesmo depois das perseguições de que fora hostia (vítima) tinha o martírio, sacrifício supremo, como o do Redentor Cordeiro de Deus. É interessante -- e explica muito do culto teológico e popular a Santa Inês -- olhar para a etimologia que o Voragino apresenta do nome próprio: O nome de Inês (Agnes) vem de agna, «anhela», porque ela foi doce e humilde como uma «anhela». Ou então, vem o nome do grego agnos, que significa piedoso, porque ela foi piedosa e misericordiosa. Ou virá de agnoscere, «conhecer», porque ela conheceu a via da verdade. Ora, segundo Agostinho, a verdade opõe-se à vaidade, à falsidade e à duplicidade, três vícios que ela repeliu pela verdade que manifestou. No relato do autor da Lenda de Oiro, a história da paixão de Inês começa quando, certo dia, ao regressar da escola, foi vista pelo filho do governador, que logo dela se apaixonou e a quem prometeu inúmeras joias e riquezas, se aceitasse desposá-lo. A menina recusa, pois já pertence a Cristo. Ouvindo isso, o jovem foi tomado de loucura, teve de acamar-se e, pelos seus profundos suspiros, os médicos descobriram que ele estava doente de amor... Tal doença -- todos devemos sabê-lo -- consta que é tão velhinha como a humanidade, e já na antiguidade se diagnosticava. O paciente desta morreu, mas foi ressuscitado pela oração da Santa e começou a pregar o cristianismo. Assim enfureceu os sacerdotes e algozes pagãos que, finalmente, a sacrificaram. Num seu Praefatio, escreve Sto. Ambrósio: Santa Inês, desprezando as seduções da nobreza, mereceu a glória celeste, desdenhando os desejos da sociedade humana, associou-se a um rei: sofrendo uma morte preciosa para confessar Cristo, a Ele simultaneamente se tornou conforme.
Mais de meio milénio depois, Paul Claudel dirá que Inês teve o privilégio da neve, e o Cordeiro como prémio:
Mais Agnès a ce privilège,
la neige,
Agnès a reçu ce cadeau,
l´Agneau
A neve é branca e pura. Como o alvo velo do anho, do Cordeiro.
E a minha neta Inês dirá: Avô, é tão bonito e bom ver as palavras dançar e cantar! Dizem mais do que logo julgamos perceber, não é, Avô? E o tal Avô -- que, nestas ocasiões, é um velho mais velho e relho do que eu -- com aquele carinho tão especial que nos dá a vivência da despedida próxima, rende-se ao sorriso e à vida: Os símbolos, netinha, são faróis e espelhos; as lendas e histórias que no-los contam são lições e desafios. Há jactos de luz que nos mostram caminhos possíveis, mas só no tempo e no modo de cada um de nós nos reconheceremos, nesse esforço de achar o caminho certo. Nenhuma verdade se ensina em qualquer escola. A verdade das nossas vidas é esse esforço de comunhão com o espírito, fiel e misericordioso, de bem querer. A essa disponibilidade eu chamo virgem.
Camilo Martins de Oliveira