CRÓNICA DA CULTURA
O pio do silêncio
E estar velho é sentir que se vive uma intensidade do saber e do não-saber para o qual se deseja tempo e ar puro na Natureza e nas ideias e em todos os convívios dos afetos em consciência comum da missão do amor
e estar velho é desejar o vento das tardes, o das casas, o do mar, o dos pássaros e que o cavalo de madeira seja agora de carne e de conclusão em vida do sonho que transportou
e estar velho é sentir que esta pandemia nos faz ficar no defeso, como sítio de folhas sem retorno onde se demora a claridade e apressa o desconhecimento aos nossos espelhos
e se estar velho é não aceitar este tempo assalariado de uma existência rígida, espaço intercalar e jamais, jamais paisagem, quando nunca nos bastou o ver e o rever
então sistematizemos os dados destes excessos de visões mínimas que nos fixam irónicas e eis
como até vivemos numa desordem de muitas inexistências e só não somos antipoéticos porque enviamos barcos uns aos outros numa antevisão órfica
nós
o bloco dos dissidentes robustos contra as formigas que afinal nos devolvem Camões a um outro destino
quando o silêncio é o imenso pio qual nova proposta da vida
turmalina
que só pertence a uma ave que o esclarece e nos visita.
Teresa Bracinha Vieira