CRÓNICA DA CULTURA
PEDAÇOS II
Tão sumida se via a memória quando se distanciava do café-mercearia que tinha os rebuçados multicolores em frascos de vidro, e vendia arroz e açúcar e massas, em pacotes que absorveriam, mais tarde, o óleo dos fritos na cozinha.
Na inocência, imaginava uma arca caprichosa com chocolates nalguns cantos: sentia-lhe o aroma, sentia-se bendito por um só dia.
Em rigor, desconhecia se a miséria da época que fazia acreditar o quanto dormir de barriga para baixo, ao comprimir o seu tamanho, comprimia a fome, era um tempo dos arredores da vida, ou, se era um centro que se demoraria até ao não pensar.
E assim, sem mais, viria a rendição.
Noutros dias, perguntava às rolas a razão de o amor ser aos poucochinhos, e da indiferença sobreviver a qualquer peçonha
enquanto a humanidade era coisa de cotação.
Não se perguntava com estas palavras, bastava a postura do corpo de pé, como a do lavrador ao ver perdido o seu trabalho, e só lhe surgiam perguntas. Quais?
Deus! eis a extrema resistência!?
E na primavera tudo regressaria igual e separado.
O cantar dos pedaços, por misericórdia, encarregavam-se de trazer
a penugem nova, as bestas, as comunhões, os vírus e as andorinhas.
Teresa Bracinha Vieira