CRÓNICA DA CULTURA
A cova de um dente de Deus
Sendo sempre possível reinventar as nossas liberdades e o modo de nos organizarmos, qual a razão que impede que os nossos quadros de referência sofram metamorfoses?
Os princípios fundamentais podem estar a revelar aspetos da realidade em que vivemos, que ainda têm sido ignorados, como se não tivessem ocorrido eventos, avanços mesmo, nas áreas das ciências físicas, ou nas criações artísticas que já deviam ter implicado uma recalibração da atenção à narrativa convencional da nossa civilização.
Com efeito, continuamos a viver de acordo com conceções, afinal desadequadas, das que levariam a um maior bem-estar da sociedade humana, onde se permanece a registar a escravização, o genocídio, a indiferença face ao sofrimento, como se a única possibilidade de alterar esta terrível forma de obrigar os seres à sujeição, de uma tida por natural desigualdade e infelicidade, não pudesse existir fora das possibilidades de intervenção, que, até hoje não assumimos, e até hoje falhámos.
Afinal de contas, a nossa forma de olhar para o passado, parece concebida ao objetivo de uma mesma interpretação, descuidando contextos.
Quem sabe, se um futuro desconhecido no presente dos dias - se dele quisermos saber como estrada -, não implicará, afinal a recusa dos desfechos inevitáveis das realidades do sofrer que se têm vindo a aceitar, e enfim, seja por aí o início do encher da cova de um dente de Deus.
Teresa Bracinha Vieira