CRÓNICA DA CULTURA
AS ÁRVORES METAFÍSICAS
Da coragem sofria-lhe as consequências, não todas. Mas.
Analisara os conluios de uma medicina assim praticada e dela se assumiu franco atirador.
Realizava com brio todas as consultas e demais trabalhos que a profissão lhe exigia e, ainda assim, os seus serviços eram dispensados com frequência.
Entendia que quase todos tinham conhecimento da injustiça que em relação a ele se praticava, mas as indeterminadas determinações superiores e o superior interesse da moral dos colegas, mandavam que a imprudência de uma existência e de uma essência diferentes, não fossem nunca realidade a ter em conta.
Havia que lhe fazer a vida difícil custasse o que custasse. E faziam. Registava.
Ele era o cordeiro.
E pelos anos fora enobrecia-se por tudo o que cumpria no equilíbrio calculado entre a diferença e a similitude que o não perturbava.
Tentara várias vezes conversar com os colegas explicando a sua mágoa do não reconhecimento do seu honesto e imenso saber na profissão, e escrevia cartas a quem poderia com ele nidificar posturas, mas uma tumba de silêncio fora sempre a resposta.
Os doentes, os doentes reconheciam-lhe uma dissemelhança exprimida numa zanga fria e distante, mas nada diziam. Aos doentes acode-lhes esmagadoramente a fragilidade sem outra saída, e eles sabem-no, e ainda que muito agradeçam qualquer dever que se cumpra na sua situação, toda a expressa gratidão faz parte da fragilidade do seu estatuto.
Contudo, nos vários hospitais por onde andara, o nosso franco atirador sentira-se sempre ferido por arbitrariedades; humilhado pelas dispensas de opinião, e sentira mesmo que o impediriam definitivamente de qualquer progressão na carreira.
Um dia, um dia, desesperado, decidiu solicitar uma reforma antecipada e, corajosamente, sofrer-lhe todos os resultados e partiu.
O contacto com o sofrimento humano elucidara-o da tragédia da condição de todos, mas a certeza de que na vida se podem contrariar os desesperos, levara-o a uma fuga para o reencontro. Certo estava de que tomara a decisão correta e que detinha o poder de a controlar.
Mas, o tempo foi-lhe trazendo um outro tempo, um tempo portador de situações complicadas como a de o clarificar no quanto a origem humana é comum e recente.
Contudo, ele bem conhecia como se geriam as culpas e que desculpassem, mas continuava a discordar dos demais. Era diferente. Parágrafo. Até porque egoísta não fora e a doçura e compreensão nas situações mais ariscas da vida, nunca lhe faltara. Poço de certezas esmagadoramente virtuosas com as quais negociava as interpretações, apercebeu-se um dia que também se esquecera totalmente do colega que lhe fizera o curso em grande parte.
*
Naquela noite a insónia encaixilhava-lhe árvores estranhamente contorcionadas como se se tratasse de belos destroços de guerra muito vivos.
O confinamento apresentara-lhe finalmente as árvores metafísicas.
Teresa Bracinha Vieira