CRÓNICA DA CULTURA
Todos somos muitos eus ao mesmo tempo e muitos eus soberanos e muitos eus moldados.
E compreendemo-nos assim.
As nossas escolhas não são apenas nossas. Há que as enquadrar nas estruturas que as envolveram e envolvem e que determinaram e determinam a sequente grande fatia das responsabilidades pelas opções tomadas.
Somos seres paradoxais e contraditórios.
Somos eus que encontram dentro de si a grande praia comum a outros eus, a outras equipas de eus.
No entanto, a sociedade, hoje, quer-nos fortemente ladeados. Deseja mesmo que os caminhos que façamos sejam unicamente unidimensionais, a fim de que a multiplicidade dos eus, finde.
Na verdade, se nos reduzirmos a uma básica dimensão de um eu, o provocar-nos, ou mesmo o instar-nos à agressividade, torna-se comando fácil de obter êxito, já que deixa de existir a possibilidade de uma amplitude crítica que só se atinge pela diversidade dos eus em nós.
A terra prometida, aquela a que nos prometemos, demanda os eus que vão descobrindo erros e diferenças só conhecidos dos olhos despertos, do olhar autónomo.
Há, pois, que estarmos vigilantes ao assustador estiolamento a que nos querem submeter.
E qual o papel da arte neste contexto?
É único!
Pois que a arte só surge dos debates dos eus: da luta contra o que é estreito.
A arte constrói entendimentos e controvérsias; a arte coloca em causa; a arte não esquece; a arte pega na ponta que se não via, percorre o âmago e expõe o lugar onde as coisas são, e por não serem onde estão, cria mundos, cria possibilidades e complicações e combustões, tudo tão íntimo, tão verdade, tão multidão, tão vários ângulos de luz de todos os eus em nós!
Teresa Bracinha Vieira