CRÓNICA DA CULTURA
Outras realidades do prisma

É frequente escutar-se o quanto basta fingir que se muda alguma coisa para que tudo fique na mesma.
A convicção generalizada desta verdade tem deixado pouco espaço para “contraforças” eficazes que não sejam consideradas, desde logo, como as vozes dos idealistas.
Assim, entre passado e presente, não se têm criado muitos futuros que pudessem incorporar outras verdades que o prisma também contém.
Invoca-se mesmo que o real tem em si encapsulado o irrealizado, e este incorpora o conceito ossificado de realidade, o que exclui alternativas.
Este o pensamento de Dimenstein, escritor e jornalista brasileiro, uma das figuras mais influentes do Brasil, citado por Harvard, como um dos exemplos de inovação comunitária, pelo seu projeto de bairro-escola, projeto este que se expandiu com êxito através do mundo.
Dimenstein, apesar de diagnosticado com doença prolongada em 2019, um mês antes de falecer em 2020, com 63 anos de idade, concedeu uma entrevista em que afirmou:
“Eu sempre tive um prazer na vida, que foi transformar a minha energia em energia também dos outros. Ou seja, usar as coisas que eu sei fazer para compartilhar e enriquecer o mundo, e certamente é por isso que eu não estou angustiado na minha morte”.
Esta intensa lição de quem concretizou uma outra realidade do prisma, expõe a dimensão do que somos capazes de fazer, assumindo cada um uma responsabilidade inequívoca na transformação das sociedades.
Em rigor, a realidade das ausências pode ser preenchida pela das emergências, e se a primeira torna visível o inexistente, a segunda identifica as possíveis experiências futuras que têm sido ignoradas pelos exageros da racionalidade, pelos domínios hegemónicos e pela cativação da esperança.
Temos de nos reconciliar connosco e pensar, agora, em emergência.
Temos de perder o hábito das queixas dos fins dos mundos, quer face aos declínios das democracias, à disseminação das desinformações, ao triunfo das tecnologias, à perda do domínio privado, às violências que ainda não balizamos.
Não podemos perder o sentido das coisas, e a cada um se exige o contributo do como resistir, do como resistir conscientes das mudanças necessárias.
Teresa Bracinha Vieira