CRÓNICA DA CULTURA
PERDER VOCABULÁRIO É PERDER LIBERDADE
O bem que a inteligência artificial nos está a trazer, é enorme, mas o que a IA nos assusta reside nas forças que a podem capturar e utilizar com objetivos terríveis.
Mas como se sabe a IA é instantânea num mundo que já era de enter e delete, e negligenciou-se, por excesso, o quanto as relações humanas se degradavam ligadas ao empobrecimento do sentir e da linguagem que o exprime.
As crianças, demasiado robotizadas pelas máquinas, foram entrando numa onda que se permitiu avaliar de baixo preço.
Criaram-se indiferenças ao que gera e gerou a pobreza das palavras e dos seus significados; ao que a falta de vocabulário acarreta na impotência para descodificar as mentiras que se propagam a velocidades indizíveis; ao quanto a perda de vocabulário impede o próprio raciocínio de defesa.
E, na verdade, perder vocabulário é perder liberdade.
Vivem-se sociedades que se permitiram reduzir o espírito, reduzindo as palavras, e consequentemente o seu amplo poder, admitindo-se com plausibilidade que se vai aceitando esta violência como se se tratasse de algo natural.
Não há dúvida de que ler livros exercita a nossa autodisciplina e o nosso sentido de sequencialidade, o que nos permite conhecer o passado, e com maior eficácia, planear um futuro com criatividade, quer enquanto indivíduos, quer em cooperação com os outros.
Provado está que o potencial de cooperação humana através do qual nos preservamos e expandimos e que envolve o conceito de «humanidade» foi-se expandindo exponencialmente pela literacia.
Provado está que os conhecimentos dos significados do vocabulário têm mantido acesa a liberdade durante períodos totalitários, pois que a escrita e a leitura e o pensar e sentir as palavras, coroam tudo o que se pode imaginar e lutar para um futuro melhor.
Também o perigo de um sistema político dirigido pela inteligência artificial é atroz, mas há muito que vimos pessoas chupadas por ecrãs, totalmente desligadas sensorialmente, e comandadas por ritmos digitais, enquanto o senso comum vai aceitando oferecer a sua vontade, esta mesma que a IA pode controlar, controlando as massas numa normalização das instituições ditas democráticas, a bem de uma mais convincente delegação e esmagamento das vontades.
E sim, perder vocabulário é perder liberdade, primeiro intelectualmente e depois institucionalmente.
E não, não estamos destinados a um futuro estagnado e fechado. Não estamos condenados à pobreza e à brutalidade da mentalidade de soma zero.
Na nossa senda como espécie, temos feito e continuaremos a fazer muito melhor do que isso.
Teresa Bracinha Vieira