CRÓNICA DA CULTURA
Estimado padre Jesuíno,
Sei que a esta hora segue já no comboio para Paris, mas, escrevo-lhe esta breve carta, na sequência da nossa conversa, pois queria ainda dizer-lhe que me lembrei - a propósito do nosso tema sobre o estudo da ciência da política -, de Dostoievski e do livro que me ofereceram um dia em Barcelona a Leyenda del Gran Inquisidor.
Recordo que as gentes se inclinam normalmente para a segurança, mesmo pagando por ela, o preço da sua renúncia à autonomia e à liberdade.
Ora, julgo que se partirmos de uma comunidade nacional e internacional, em que a justiça distributiva e os bens materiais e imateriais (instrução, integração social, futuro, oportunidades, etc.) constituem o bem-estar em sentido amplo, a democracia, como forma de governo, pode e deve clarificar-se de real ou formal e desempobrecer a realidade, expondo nomeadamente o dilema do livro de Dostoievski. Penso que se assim não for é a própria democracia que impõe uma lei de condicionamento mental.
Digo mais, no século XX talvez se não trate de verdadeiros condicionamentos como acima refiro, mas sim, de uma determinação moral imposta pela técnica, tornando a moral num sub produto de uma técnica político-social, de uma engenharia, junto da qual, a justiça se reduzirá a uma mera adaptação.
Refiro afinal a tecnocracia e a sua intrínseca neutralidade moral. Não sei padre Jesuíno como tirar de segundo lugar o que para a sociedade deve estar num primeiro ex aequo. Permita apenas que assim lhe deixe esta tensão, e que acredite que, rompida ela, possa surgir um marco para uma nova sociedade que não permita organizar a moral numa instituição.
Saudades a Montmartre
Teresa Bracinha Vieira
Junho 2017