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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

A casa da Rosinha 25

 

A Rosinha 25 era a costureira da aldeia. Fazia todos os vestidos das raparigas solteiras que os levavam à festa anual da vila próxima. Os dias da prova dos ditos eram dias cheios de muita confusão na pequena casa. Vinham as raparigas, as amigas e as mães de todas para terem a certeza que a altura das saias era pela barriga da perna e que não existiam decotes para além da largura do pescoço de cada uma. A Rosinha 25, nestes dias, sentava-se nas escadas da casa que davam para a rua e com os vestidos num banco, ali provas e cores eram feitas e vistas com clareza.

 

O João Pataca pai da Rosinha 25 e filho do Manel Meio Tostão tinha dado à Rosinha 25 uma máquina de costura, joia única na aldeia, e que justificava a bebedeira do dia do nascimento do neto. A partir daí a Rosinha 25 bem sabia que tinha de fazer a lida do campo, mas vocação, vocação era a de costureira que rompia os alinhavos com os dentes que lhe restavam e a dar ao pé, lá iam as costuras por ali fora, como se um comboio a horas por elas passasse e não parasse. E vinham uns tostões a mais pois então, havia sempre uma vaca que os comia em palha no longo inverno.

 

Mas impressionava-me mesmo era com a casa da Rosinha 25. A cozinha em chão de terra húmida e bem calcada tinha forno de lenha de onde saía o delicioso pão quinzenal amassado por ela e uns suspiros feitos com as claras de ovos das galinhas que, na cozinha, depenicavam no chão o pão que o já muito velho João Pataca lhes atirava da velha cadeira onde se sentava desde as 7h da manhã e depois de beber a caneca de leite que tirava à vaca e que logo tomava como desjejum com um pouco de água ardente. Depois ali ficava à espera do almoço.

 

Recordo-me a comer os quentes suspiros dados pela generosa mão da Rosinha e a olhar para o formato da cadeira do João Pataca. A cadeira só tinha um fundo de cabedal roto e chamava-se cadeira porque encostada à parede dava para dormitar, enquanto se fora tratada como banco, o normal era o Pataca ao adormecer cair dele abaixo. Depois, da cozinha, via-se uma escada que, na altura, achava imensa e vertiginosa e que ia dar a dois quartos: o da Rosinha 25 e marido e filho e o do Pataca que o herdara do Manel Meio Tostão seu pai: e era este quarto que me despertava a atenção quando a Rosinha me deixava subir as escadas e ir vê-lo.

 

Cama de ferro com colchão de maçarocas de milho aos altos e baixos, lençol grosso e cor de terra clara embrulhado numa manta e tudo amontoado ao Deus dará em cima da cama e, debaixo dela, batatas e maçãs espalhadas com critério. O quarto cheirava a despensa ou a mercearia, não sei, mas muito me espantava quando depois de contar as batatas e as maçãs que a terra deles lhes dava, passavam-se duas semanas e o número era o mesmo. Rastejava de novo, e de novo contava as peças e de novo os números eram os mesmos.

 

Um dia vim escadas abaixo e disse para a Rosinha 25. Eu já sei contar e debaixo da cama do Ti Pataca estão o mesmo número de batatas e de maçãs. Então ó Rosinha, o que comeram estas semanas?

 

Ó menina respondia-me a Rosinha 25 no seu mais compreensivo olhar

Comemos pão e suspiros.

 

Teresa Bracinha Vieira